“Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as suas criaturas”

(São Francisco)

Neste dia de São Francisco, dia mundial dos animais, conversei com o teólogo Cesar Augusto Kuzma, professor da PUCPR, mestre e doutor em Teologia pela PUC-Rio. Ele fala sobre a vida do santo, considerado o protetor dos animais, e a importância destas criaturas.

 

São Francisco é considerado o protetor dos animais. De onde surgiu esta crença?

Francisco de Assis é um santo da Igreja católica, de onde surgem os movimentos franciscanos que vem a partir de sua visão de fé e de Igreja. Foi alguém que decidiu viver na pobreza e lutar pela causa dos que mais sofrem. Passou a ter um profundo respeito e cuidado pelos animais, como um amor por toda a criação. Em virtude disso e pela forma como tratava cada detalhe da vida, foi colocado como padroeiro dos animais e patrono dos ecologistas, esta última já no século XX.

Existe alguma passagem bíblica ou registro em algum outro documento religioso, que cite a importância dos animais?  

As passagens bíblicas, como a Bíblia em si, são anteriores a São Francisco. São Francisco é da Idade Média e já nasce num contexto cristão. Nas passagens bíblicas, muitos relatos indicam esta importância dos animais. O próprio ato da criação, que no Gênesis é descrito de modo mitológico, mas em verdade teológica que ali aparece, sabemos que toda a criação é obra do amor de Deus.

Deus cria para uma harmonia e quer que toda a sua criação, na pluralidade de suas formas, que é uma riqueza, chegue a sua plenitude. A ligação de São Francisco com os animais vem da ligação com que São Francisco tinha com a criação, o seu louvor a Criação junto com o Criador, muito bem colocado no seu “Cântico das Criaturas”. Neste Cântico, toda a criação, cada detalhe dela, tem a sua importância e enriquece o plano de Deus. Há uma harmonia, dentro da qual São Francisco chama a tudo e a todos de irmãos e irmãs. Somos todos filhos do mesmo e único Deus, somos todos destinados a um bem comum com ele, na sua presença, contemplando a sua face. Portanto, somos irmãos e irmãs. Diz, São Francisco: “Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as suas criaturas”. 

Reproduzo uma versão, traduzida para o português, do Cântico das Criaturas, também chamado de Cântico do Irmão Sol:

Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a ti o louvor, a glória,
a honra e toda a bênção.
A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar
e nenhum homem é digno de te nomear.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante,
com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
pela irmã Lua e as Estrelas:
no céu as acendeste, claras, e preciosas e belas.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
pelo irmão Vento
e pelo Ar, e Nuvens, e Sereno,
e todo o tempo,
por quem dás às tuas criaturas o sustento.

Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Água,
que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
pelo irmão Fogo,
pelo qual alumias a noite:
e ele é belo, e jucundo, e robusto e forte.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e governa,
e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
por aqueles que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados aqueles
que as suportam em paz,
pois por ti, Altíssimo, serão coroados.

Louvado sejas, ó meu Senhor,
por nossa irmã a Morte corporal,
à qual nenhum homem vivente pode escapar.
Ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Bem-aventurados aqueles
que cumpriram a tua santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.

Louvai e bendizei a meu Senhor,
e dai-lhe graças
e servi-o com grande humildade.

Com a religião católica vê o animal?  

O Cristianismo, de modo mais específico, a Igreja Católica, neste caso, vê os animais como parte importante da criação. Eles são criaturas de Deus, amados por Deus, queridos por Deus. Portanto, se são obras do amor, estão destinadas a um bem com o próprio Deus. É importante destacar que devemos pensar na salvação, no plano salvífico de Deus para conosco, de maneira integrada. O ser humano é o que é em conjunto com o que está em sua volta, ele foi criado para viver em comunhão e a sua realização, a sua condição plena está nesta harmonia. Não se pode pensar um ser humano sem o mundo que o cerca e sem os outros seres que estão no mundo. No plano de Deus todos fazem parte.

Hoje, por razões da natureza, vivemos em desarmonia, numa cadeia alimentar ou de domínio, algo que não é a perfeição, mas que caminha a ser. No plano de Deus, no qual todos fazem parte, indico esta passagem do Profeta Isaías:

Então o lobo morará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará. A vaca e o urso pastarão juntos, juntas se deitarão as suas crias. O leão se alimentará de forragem como o boi. A criança de peito poderá brincar junto à cova da áspide, a criança pequena porá a mão na cova da víbora. Ninguém fará o mal nem destruição nenhuma em todo o meu santo monte, porque a terra ficará cheia do conhecimento de Iahweh, como as águas enchem o mar” (Is 11,6-9).