Quem ouvir Nascer, Viver e Morrer, a primeira faixa de Mil Coisas Invisíveis, o segundo álbum solo de Tim Bernardes, terá a sensação de que ela soa quase como incompleta. Com pouco menos de dois minutos, a canção termina com a reverberação da palavra “nascer”.

É de propósito. O compositor, cantor e multi-instrumentista, também conhecido pelo seu trabalho à frente da banda O Terno, pensou esse novo trabalho como um livro, mais precisamente um ensaio – dos quais ele se considera um leitor voraz. Essa primeira faixa, então, funciona como uma introdução do que ele destrincha nas demais 14, todas dele.

O repertório, conta Bernardes, foi sendo feito e organizado a partir de 2020. Foi dessa “edição” que ele descobriu o elo entre as canções, ora baladas, ora com pegada pop e jazz. Percebeu que queria falar de alma. “Estava conectado com a questão do ser e não do fazer ou do mover. Um tratado metafísico amador de canção popular”, explica.

Esse tema está claro, por exemplo, em Fases, segunda faixa, na qual ele reflete sobre questões da vida cotidiana e da impotência do ser humano em tentar controlar medos, traumas e imprevistos. “Matei minha mãe, meu pai, me perdoei e seguimos todos vivos”, diz a letra.

SONORIDADE

Mil Coisas Invisíveis também fala de amor. Canções como BB (Garupa de Moto Amarela) e Olha refletem sobre encontros e desencontros de apaixonados. Essa última, aliás, guarda uma história interessante que diz muito sobre a busca pela sonoridade, algo que Bernardes, além das letras, sempre prezou, desde seu primeiro trabalho solo, Recomeçar, de 2017.

O piano que ele toca – e o músico gravou todos os instrumentos, com exceção de algumas participações especiais – pertence à Rádio Eldorado e fica no hall da emissora. O instrumento foi usado por Arnaldo Baptista no registro do clássico Balada do Louco, entre outros discos de Caetano Veloso e Rita Lee. Bernardes passou uma noite/madrugada na Eldorado gravando diferentes takes de voz e piano para a canção.

A Balada de Tim Bernardes, faixa com mais de seis minutos, fala sobre bruxaria, mistérios do planeta, dons da natureza, hipocondria e recordações da infância. “Nem tudo é autobiográfico, mesmo que eu fale em primeira pessoa. Algumas são escritas como um conto.” Sobre citar o próprio nome no título, ele conta: “Talvez seja um deboche. Entender que também sou um personagem da cultura pop e não lutar contra.”

Em tempos de singles e músicas de 15 segundos, Mil Coisas Invisíveis vai no sentido contrário com canções mais longas e 15 faixas no total. “Minha relação com a música é um momento de permitir uma profundidade. Não estou interessado no boom do momento.”

SHOWS

Lançado no Brasil pelo Coala Records, selo do Coala Festival, Mil Coisas Invisíveis estará nos demais países pelo selo americano Psychic Hotline. Os shows devem ocorrer em agosto. Agora em julho, ele vai estar nos EUA, abrindo shows da banda Fleet Foxes, de cujo último disco ele participou. Em outubro, se apresenta na Europa.

A quarta faixa de Mil Coisas Invisíveis é o ijexá Realmente Lindo, música lançada por Gal Costa no disco A Pele do Futuro, de 2018. A cantora, de certa forma, foi a primeira do chamado mainstream a lançar esse olhar para a obra de Bernardes. Ele retribuiu participando do álbum Nenhuma Dor, gravado por Gal na pandemia. Juntos, eles cantaram Baby, de Caetano, grande sucesso da cantora. Os dois estarão juntos no palco em breve, no Coala Festival, em setembro.

BOLERO

Maria Bethânia também já se serviu de composições de Bernardes. No disco Noturno, de 2021, ela gravou o bolero Prudência, que, em entrevista ao Estadão, à época, ela definiu como um “baladão”. A cantora incluiu a canção no show comemorativo Fevereiros. Na apresentação de São Paulo, em abril, Bernardes estava na plateia e viu o público entoar os versos de amor do refrão. “Foi muito forte a Bethânia cantar. Mais forte ainda, colocar a música no show. Não imaginei que as pessoas fossem cantar o refrão alto.”

Bernardes revela que Bethânia, bem antes de gravar Prudência, chegou a ensaiar a canção Pra Sempre Será, que acabou por ser lançada pelo O Terno no disco Atrás/Além. Bethânia também recebeu Olha em primeira mão, música que agora ele registrou em Mil Coisas Invisíveis. Mais recente é a gravação de Alaíde Costa para o samba-canção Praga, parceria dele com Erasmo Carlos. Diferentemente das canções que enviou para Gal e Bethânia, essa ele escreveu especialmente para o projeto que a cantora lançou recentemente.

“O Marcus (Preto, diretor artístico) disse que tinha uma melodia do Erasmo e perguntou se eu faria a letra. Ele sabe que gosto desse tipo de samba sofrido, estilo Lupicínio (Rodrigues). Fiz para a Alaíde cantar, pensando nela”, conta.

Bernardes também tem parcerias com Tom Zé, David Byrne, Paulo Miklos e Jards Macalé. “Esse lugar de parceria é mais leve para mim. Deixa de ser o momento da minha terapia interna e passa a ser uma celebração.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.