FOLHAPRESS – Alguém que cria um codinome com Baco, deus dos excessos, e Exu, orixá do movimento, não pode gostar de mesmice.

Existem nas faixas de “Bluesman” versos que remetem a faixas de “Esú”. Mas Baco Exu do Blues não parece querer repetir o sucesso do álbum anterior, e sim dobrar a aposta.

Há mais ódio ao racismo, mais dores de amor, mais empenho em ser um rapper singular, tangenciando o isolamento.

(Em tempos de conservadorismo triunfante, talvez valha avisar que também continuam fartos os palavrões.)

“Por que os rappers rezam para eu parar com o rap?/ Tudo que eu ouço soa igual, eu cansei do rap”, diz ele em “Kanye West da Bahia”, faixa com participações de DKVPZ e Bibi Caetano.

Há uma reverência ambivalente ao multimilionário rapper, apoiador de Donald Trump. Assim como há humor na fossa de “Me Desculpa, Jay-Z” (cantada com o projeto 1LUM3), em que é citado o casal 20 do hip-hop. “Tá tudo confuso como meus sonhos eróticos com a Beyoncé/ Me desculpa, Jay-Z, queria ser você.”

Esta faixa, com enorme potencial radiofônico, prova ao lado de “Queima Minha Pele” (duo com Tim Bernardes, jovem autor de maduras canções tristes), “Girassóis de Van Gogh” e do soul “Flamingos” (gravado com a banda Tuyo) que Baco Exu do Blues tem um apuro melódico raro no rap, gênero de sonoridade propositalmente repetitiva.

A suavidade que consegue imprimir em algumas composições ecoa versos doloridos ou delicados, outro aspecto em que ele destoa do universo do rap, ainda muito machista e durão. “Lágrimas são só gotas, o corpo é enchente”, canta na música “Bluesman”.

Ele também é mais antropofágico do que a maioria de seus pares. Cita Jorge Luis Borges e Exaltasamba, Van Gogh e o rapper ASAP Rocky, Basquiat e Cristiano Ronaldo.

Se tudo cabe no rap, como ele parece querer dizer, por que não chamar rap de blues? A rigor, o som do blues mal aparece – a principal exceção é a voz e a guitarra de Muddy Waters na abertura. O gênero é usado como emblema de tudo o que é ou pode ser negro. “Jesus é blues”, canta Baco do Exu em “Bluesman”.

“Eu não acredito no seu Deus branco”, entoa em “Preto e Prata”, um de seus raps mais potentes e que tem um ótimo achado de som e palavra: “Nós vive pela prata tatata tatata (…) Nós negros somos prata tatata tatata.”

No final da última faixa, “B.B. King”, vem um discurso-manifesto a princípio dispensável, mas que resume sem música o que ele vem querendo dizer. “Não sou legível, não sou entendível. Sou meu próprio deus. (…) Só eu posso me descrever. Vocês não têm esse direito.”

Baco Exu chega a cantar em “Kanye West da Bahia”: “Eu sou o preto mais odiado que você vai ver”. O sucesso que tem feito mostra que a frase não lhe cabe. Endeusado (com ou sem trocadilho) pela imprensa, é um artista de apenas 22 anos, ainda com muito a fazer e com a coragem (e as dores) de fazer isso em praça pública, com o peito aberto.

BLUESMAN

ONDE Disponível nas plataformas digitais; deve ser lançado em vinil, sem previsão de data

AUTOR Baco Exu do Blues

GRAVADORA Selo EAEO Records

AVALIAÇÃO Muito bom