A missão de um biógrafo deve ser jogar luzes sobre a vida de uma pessoa importante para o mundo.  Ser equilibrado, encontrando as pontas soltas que ajudaram a construir uma personalidade. Para que Deirdree Bair fizesse isso sobre uma das mais interessantes figuras do século passado, Carl Gustav Jung (1875-1961), foram necessárias mais de mil páginas divididas em dois volumes. O resultado é  Jung – Uma Biografia (Editora Globo), um calhamaço minucioso sobre esse ser inquieto e inquietante, que desde criança não aceitava a incapacidade dos adultos em responder certas questões  e que, por conta de suas aflições, provocou uma verdadeira revolução.  O livro refaz  os mais importantes momentos da trajetória que definiu as bases da psicologia analítica e ajudou a consolidar as da psicanálise, de Sigmund Freud. Ao final da leitura, constata-se que a biógrafa conseguiu colocar ao lado da personalidade pública, um homem bem real, marcado pelas contradições e dilemas de sua época, mas sempre disposto a ir a fundo no que lhe incomodava.

De um lado, a mente precocemente brilhante e  personalidade forte. De outro, homem conservador que se rendeu à regras da sociedade que lhe eram convenientes, esticando os limites quando era de seu interesse. Marido e pai autoritário, não se intimidou em assumir um triângulo amoroso público, colocando a amante em  posição de destaque na vida pessoal e profissional. Está ali também a infância entre a mãe que sofria de desequilíbrios depressivos e o pai, pastor atormentado pela própria fé; o “berço intelectual”. A educação rígida e culta; as primeiras sessões espíritas ainda adolescente; os sonhos de infância que o marcaram profundamente e de onde vieram algumas  das angústias que já evidenciavam a personalidade peculiar – também estão presentes.  Depois, os estudos médicos e o deslanchar da carreira, mostram também o caminho feito pela Psicologia. É curioso notar como nesta fase até pacientes analisavam doutores, que analisavam suas esposas. Era um troca-troca só, inimaginável nos dias de hoje. Também no primeiro volume está o rompimento com Freud,  já com as diferenças bem marcadas inclusive entre os seguidores, ferrenhos, dos dois lados.

O segundo volume se concentra em passagens mais técnicas. Na polêmica fase nazista – na qual ela faz mais claramente uma defesa, apontando fatos de bastidores que desacreditam os argumentos que o colocam, facilmente, como simpatizante. Fala da organização da obra de Jung e das, constrangedoras muitas vezes, disputas de seu legado, por parte dos discípulos. Uma bela biografia, de fòlego, que interessa a quem gosta de ler em geral.