BIANKA VIEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1930, data da publicação do ensaio psicanalítico “O Mal-estar na Civilização”, Sigmund Freud teorizou que a natureza e as relações humanas tornam impossível o alcance pleno da felicidade. Sendo a sociedade dessa maneira, como ser menos infeliz e evitar o sofrimento?
Para o psicanalista, uma das vias possíveis está no amor -tema do segundo módulo do Ciclo de Cinema e Psicanálise, inaugurado nesta quarta-feira (16) com a exibição da obra “O Filme da Minha Vida”, dirigido por Selton Mello.
“Achei significativa a escolha por esse filme porque ele é impregnado pelo afeto e pelo amor e enuncia outra concepção das relações. Não das ideais, mas daquelas que são possíveis”, disse a psicanalista Raquel Plut Ajzenberg.
Ajzenberg explicou que, segundo a teoria psicanalítica, a busca pela satisfação no outro é também a busca pelo prazer e uma tentativa de menos sofrimento. “Mas não há nenhuma receita aplicável. Cada um de nós deverá se adaptar à sua natureza e obter o prazer possível, não o idealizado”, alertou.
No longa, o espectador acompanha a passagem para a vida adulta do personagem Tony Terranova (Johnny Massaro), que, entre tantos dilemas, lida com a ausência de um pai que foi embora de casa sem explicações.
“Esse afastamento das figuras da infância cria um clima de decepção, tristeza e melancolia. A ausência cria uma ruptura que desconstrói o imaginário paterno infantil. É o luto daquele pai que, como tudo na vida, tem que ser desconstruído”, comentou Raquel. “Esse modelo é muito caro para a psicanálise. Crescimento não se faz sem dor.”
Para a atriz Ondina Clais, que protagoniza Sofia Terranova e participou do debate, a distância criada entre a sua personagem e o filho, Tony, foi importante para o desenvolvimento do garoto na trama. “É difícil conseguir essa medida. Geralmente não é a mãe que dá o corte. Ela é aquela que está lá, côncava, oferecendo o amor, o porto seguro.”
Mas seria possível, de fato, superar e se tornar independente das figuras paterna e materna? Para Raquel Plut Ajzenberg, as pessoas não “superam”, mas se transformam. Já para a psicanalista Luciana Saddi, mediadora da conversa, quanto mais o personagem Tony desenvolve sua sexualidade, mais se acentua o desapego da mãe.
“No momento em que ele se apropria de si mesmo, a mãe embarca num trem. Até então, ele estava preso, ocupando o lugar de um homem que desapareceu”, explicou Saddi.
No debate, a trilha sonora foi exaltada. Para a mesa, as canções de Rolando Boldrin, que também atua no filme, trazem memórias marcantes da própria trajetória do ator Selton Mello. “O Selton tem uma experiência familiar que o guia em suas obras. Ele me escolheu [no elenco] porque eu sou parecida com a mãe dele”, comentou Clais.
Provocada pela plateia, Saddi brincou “Freud explica!”.
Outra questão que não passou em branco foi a presença do cigarro. Na trama, que se passa na Serra Gaúcha nos anos 60, os personagens fumam praticamente o tempo todo. “O Selton Mello fez chapa do pulmão de todo mundo?”, perguntou um dos espectadores.
O Ciclo de Cinema e Psicanálise, que conta com apoio da Folha, é realizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e pela Cinemateca Brasileira. Os debates são quinzenais e acontecerão até o dia 27 de junho. O próximo será no dia 30 de junho e trará o filme “Ela”, de Spike Jonze.