LUIZ CARLOS OLIVEIRA JR.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira sequência de “Antes o Tempo Não Acabava” mostra um ritual de iniciação da etnia Tikuna. Os adultos preparam uma substância com folhas, ervas e formigas e untam luvas que serão vestidas por meninos que fazem fila.
Num primeiro momento, o registro é descritivo, exterior às ações. Até que a câmera se detém no rosto de um dos meninos, que tem o olhar assustado.
A cena é então invadida pelo drama, pelo conflito de um indivíduo com seu meio. A partir dessa escolha dramática, o filme assume uma visão predicativa da cultura indígena, construindo um ponto de vista que nenhum antropólogo aprovaria.
Um salto temporal leva o filme para outro momento: aquele menino é agora um jovem que trabalha numa fábrica da Zona Franca de Manaus e, terminado o expediente, retorna à aldeia, num movimento pendular que define o filme e seu protagonista.
É o antigo enredo da crise de identidade e subjetividade de quem se acha perdido entre duas culturas. Anderson é um jovem indígena que não se identifica com as tradições da tribo (brutais aos seus olhos), mas também desconfia da cidade e dos seus valores corrompidos.
Algumas rotinas do cinema contemporâneo se repetem sem brilho ou inovação particular: planos longos que acompanham as deambulações do protagonista, rarefação do arco dramático, privilégio do sensorial sobre o psicológico, enfim, uma estratégia de jogar mais com afetos ambíguos do que com significações estritas.
Sente-se a influência de certo cinema asiático prestigiado no circuito de arte (Apichatpong Weerasethakul, Lav Diaz).
A força de momentos isolados vem de “fraquezas”: da hesitação verdadeira de algumas atuações naïf e da decupagem às vezes selvagem, violenta, que dispensa a sintaxe cinematográfica -tanto a do cinema narrativo convencional quanto a do “world cinema” contemporâneo, que também fornece uma gramática normativa a quem quiser.
Nesses momentos de menor adequação a um padrão surgem lampejos, como naquele primeiro plano frontal e à queima-roupa do rosto de Anderson no cartório, pedindo ao funcionário que lhe diga, sem rodeios, como faz para registrar seu “nome de branco”.
Talvez por ingenuidade, nas cenas em que o desejo de emancipação (sexual, social) de Anderson é confrontado aos líderes da aldeia o filme resvala em momentos desastrosos, que expõem uma fragilidade de ponto de vista, no sentido tanto de um ângulo de construção cênica e narrativa quanto de uma moral do olhar e do ato cinematográfico.

ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA (regular)
DIREÇÃO Sérgio Andrade e Fábio Baldo
ELENCO Anderson Tikuna, Rita Carelli, Begê Muniz
PRODUÇÃO Brasil/Alemanha, 2016, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (30)