CÁSSIO STARLING CARLOS SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Que rumo um cineasta poderia tomar depois de realizar o trabalho que sintetiza seu percurso e suas ambições, com o qual expande seu público cativo e suas qualidades são reconhecidas por um punhado de premiações importantes?

A primeira reação de Richard Linklater ao triunfo de “Boyhood” em 2014 veio dois anos depois, quando revisitou com “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” (2016) o universo de um de seus primeiros sucessos, assim como quem vai a um reencontro de turma.

“A Melhor Escolha” mostra o diretor em busca de novos ângulos, sem perder de vista temas e tratamentos que fizeram seu trabalho ser reconhecido como original. A passagem do tempo, tudo que ele acumula ou leva a perder é, desde o início, a matéria-prima dos filmes de Linklater e continua a ser em “A Melhor Escolha”.

O reencontro improvável de Larry, Sal e Richard depois dos anos em que cada um viveu a vida é o tipo de ponto partida com o qual Linklater transita com desenvoltura do banal ao extraordinário. O que reúne o trio de madurões é mais que um vago coleguismo, é uma experiência decisiva, talvez um trauma. Num primeiro momento, trata-se de reaproximá-los por meio da velha e eficiente fórmula do reconhecimento. Só mais tarde, o ponto cego no passado ressurgirá, mas não na forma habitual do acerto de contas.

No meio, o filme dedica-se a aproximar dois tempos, o ontem e o agora, e dois planos da experiência, o individual e o coletivo. Larry, Sal e Richard são veteranos da Guerra do Vietnã e perderam a crença na ideia de que havia um inimigo chamado comunismo, contra o qual, um dia, foram convencidos a lutar e matar. A morte do filho de Larry no Iraque, acontecimento que reativa a amizade deles, mostra que nem sempre a passagem do tempo traz mudanças ou evolução.

O que fomos fazer no Vietnã? O que estamos fazendo nos países árabes? Outro tempo, mesma questão. Essa dimensão histórica não havia sido enunciada antes com tanta clareza por Linklater ou era mantida submersa na abordagem afetiva e na forma de mutações de valores e comportamentos. No plano individual, por sua vez, Linklater atualiza sua habilidade de levar os personagens a rever suas histórias, tornando cada personagem essencial em sua espessura. Agora não se trata mais das desventuras amorosas de um casal, de uma família ou de jovens, mas de homens maduros que não são retratados, ainda bem, como um acúmulo de fracassos. O que está no passado é algo deles ao qual temos pouco acesso. No presente, eles se revelam nas comparações do que foram com o que deixaram de ser.

Para tornar esse jogo de papéis irresistível, Linklater conta com a sincronia de Carell, Cranston e Fishburne. Em vez de deixar cada ator livre para fazer um número histriônico, o filme se valoriza pela afinação dos protagonistas. O efeito é como ver um ‘power trio’ tocar numa apresentação histórica.

A MELHOR ESCOLHA (LAST FLAG FLYING)

Direção: Richard Linklater

Elenco: Bryan Cranston, Steve Carell e Laurence Fishburne

Produção: EUA, 2017, 12 anos

Quando: estreia nesta quinta (22)

Avaliação: muito bom