Já havia sido previsto em 2016. “Os caipiras que mataram o Jack Nicholson querem acabar com o Psicodália!” alertava um jovem cabeludo que, influenciado pela trama do filme Easy Rider, que fora exibido na 19ª edição do festival, prenunciava que o futuro do Psicodália estava em perigo por pressão daqueles que defendem os bons costumes e que se sentem ameaçados pelos hippies que invadem Rio Negrinho durante o carnaval.

A atmosfera dos dias que antecedem o início do Psicodália é sempre de ansiedade, já que muitas pessoas esperam o ano inteiro para o festival. Mas a notícia de que a Polícia Militar de Santa Catarina estava fazendo blitz em Rio Negrinho, para coibir a venda e o uso drogas na Fazenda Evaristo, instaurou uma tensão no ar. Não é novidade para ninguém o consumo de drogas dentro de festivais de música, mas realizar uma operação policial em um lugar onde é certa a presença de substâncias ilícitas, soa como se os lobos tivessem um mandado oficial para procurar galinhas dentro de um galinheiro.

Durante os primeiros dias da 21ª edição do Psicodália, que aconteceu entre os dias 9 e 14 de fevereiro, haviam viaturas da Polícia Militar e pessoas ligadas à Justiça e ao Conselho Tutelar circulando dentro da fazenda, coisa que não acontecia nas edições passadas. Talvez seja a tensão presente no Brasil neste ano de 2018 fez com que a energia dentro do festival se tornasse mais densa. Mesmo durante o carnaval, período de festa onde os brasileiros podem celebrar por simplesmente celebrar, todos estavam em estado de alerta. “É preciso estar atento e forte, não temos de temer a morte”.

Mas uma vez engolido pelo sistema psicodálico, torna-se difícil agir como um mero cidadão comum. “Bom dia”, “muito obrigado”, “tem seda?”, “posso me sentar com você?”. O desaparelhamento com o mundo moderno obriga a pessoa a ter que se comunicar com os outros por meio dos olhos e das palavras. Celular no Psicodália? Apenas para tirar algumas fotos e ver as horas, porque é um desafio conseguir sinal naquele lugar. A falta de acesso a 4G faz o indivíduo se perceber como um ser-humano que vive em um mundo onde as imagens não são formadas por pixels.

O Psicodália cresceu, não tem como negar. O público está mais diversificado, deixando de ser um “negócio de nicho”. Para muitos, essa popularização do festival é algo negativo. Mas faço crítica aos críticos que não percebem que mesmo com as mudanças, o Psicodália continua sendo um festival único no Brasil. Que outro evento consegue reunir seis mil pessoas apenas com atrações brasileiras e da música independente em um clima à la Woodstock? O Psicodália faz muito bem o trabalho de atingir o maior número de pessoas com sua proposta artística e de fazer do mundo um lugar melhor.

Mesmo com a irritante presença de coolers e cadeiras de praia nos palcos, que não só atrapalham quem quer dançar e ver os shows, como também dá uma sensação de “privatização de espaço”, as atrações continuam sendo memoráveis. Zé Ramalho fez o público transcender com sua psicodelia nordestina. Arrigo Barnabé impactou com sua estranheza, mas ganhou uma chuva de aplausos por sua apresentação maestral, que fez do grupo Claras e Crocodilos quase uma atração à parte. De Jorge Ben não tem muito o que falar, já que o “Sr. Simpatia” fez um show de fazer jús ao título de “Alquimista da Música Brasileira” com um vasto repertório de músicas que eram tocadas sem pausa, como um grande pot-pourri.

Os novos nomes da música brasileira têm tanto espaço quanto a turma consagrada. Carne Doce abriu o Palco Lunar e deu ao festival a sensualidade que a banda Tutti-Frutti uma vez teve quando Rita Lee fazia parte de sua formação. Na mesma noite que os goianos do Boogarins mostraram a nova psicodelia brasileira, os paulistanos do Bixiga 70 deram um show de versatilidade instrumental e ainda puxaram um “uh-uh” que pôde ser ouvido durante todos os outros dias do festival. Francisco el Hombre, que já se tornou um show obrigatório no Psicodália, mas que sempre faz todos dançarem, fez questão de homenagear com uma música todos aqueles que estavam com as pupilas dilatadas.

Mas há quem não resista aos encantos do Psicodália. Para curtir o festival, não precisa nem passar todos os cinco dias acampado em uma barraca, basta comprar uma galocha para poder andar pela fazenda sem se preocupar com a lama, como fez Tulipa Ruiz. Já o pessoal do Boogarins e do Francisco el Hombre decidiu viver o festival como se deve, andando para cima e para baixo no meio das pessoas com um cigarrinho natural entre os dedos. Em uma rápida conversa, Lô Borges, que fez um show que emocionou os fãs do Clube da Esquina, disse que só não ficou na fazenda porque tinha um disco para gravar. “Para passar mais alguns dias no Psicodália é preciso convencer meu técnico de som”, disse o mineiro.

A pior parte do Psicodália é o fim, quando, quase que de forma mágica, as barracas vão desaparecendo dos campings. A tristeza se instaura no coração, e as lembranças ficam na cabeça como filmes de rolo. Se ver obrigado a trocar o colorido pelo cinzento chega a ser deprimente, mas a certeza de que o carnaval volta no ano seguinte ajuda a enfrentar a realidade. Apesar dos pesares, o Psicodália continua lindo.