Outro dia levei meu filho num desses parquinhos com uma piscina de bolinhas e um imenso labirinto. Era meio de semana, no meio da tarde, então o lugar estava deserto. Mas eis que uns 20 minutos depois que chegamos chegou também uma trupe que ia participar de um aniversário no local. Eram vários meninos com idades, imagino, entre 4 e 8 anos e apenas duas meninas.

O grupo da festinha entrou na piscina como um furacão. Cerca de 20 crianças correndo, gritando e percorrendo o labirinto como se não houvesse amanhã. Achei que meu filho ia se assustar, mas ele ficou curioso e resolveu tentar, em vão, seguir o grupo. É que uma das partes do labirinto exigia que ele pulasse um murinho. Coisa simples, mas que para quem não tem 3 anos ainda é um grande desafio.

Meu bebê ficou lá tentando saltar o obstáculo enquanto o grupo de meninos passou correndo por ele várias vezes. Até que uma das meninas – que tinha acabado de se juntar ao bando – parou, deu a mão pro meu filho e ajudou ele a pular.

Um gesto tão simples, né?

Vendo isso me ocorreu que a luta por direitos iguais, respeito que o feminismo e outros movimentos têm assumido é também por cuidado. Cuidar é se por no lugar do outro, é deixar de olhar só o próprio umbigo, é pensar no que o outro precisa.

É comum as pessoas pensarem que o cuidado é uma questão de gênero. Afinal é a mãe que cuida, né? É a enfermeira que dá banho e consola o doente. É a empregada doméstica que deixa a casa limpa e organizada. É a professora que cuida e educa as crianças no maternal. A dona de casa.

Logo que nasce a menina já ganha uma bonequinha pra chamar de bebê e cuidar. Como se fosse natural para o sexo feminino cuidar. Os meninos, pelo contrário (nos dizem), são “mais agitados, têm mais energia”. Como aqueles meninos que atropelaram meu filho sem parar para ajudar ele.

Porém, o menino que não foi educado para parar e ajudar a criança menor que não consegue vencer um obstáculo é o homem adulto que não cuida da mãe doente. É o marido que não sabe fazer arroz e fritar ovo. É o colega de trabalho que pisa no outro sem a menor piedade.

Cuidar não é algo que só tem a ver com o outro. Saber cuidar é saber também dar conta de si mesmo. Se eu sei fazer comida, limpar a casa, pregar um botão, fazer alguns ajustes no meu carro isso me torna uma pessoa independente. Que pode cuidar de si mesma.

E isso é imensamente importante. Mesmo que eu possa pagar alguém para fazer todas essas coisas.

Isso porque saber fazer me qualifica para entender o que cada uma dessas atividades exige. O quanto coisas simples são, na realidade, ações especializadas e que exigem dedicação.

Se eu não sei fazer, é fácil desdenhar do trabalho alheio. E não é justamente isso que acontece?

Pense nas atividades menos valorizadas do mercado de trabalho. Já parou para pensar o quanto menos ganha uma enfermeira em comparação com um médico? Quanto você paga para a diarista, a babá, a professora da escolinha infantil?

Por que essas atividades valem menos? Por que o cuidado vale menos? É menos especializado? Exige menos preparação?

Tá, então me diga rápido sem pensar: como é que tira mancha de caneta de roupa? Qual a receita mais fácil e rápida de pão caseiro? Como é que faz para identificar uma picada de aranha? Quais vacinas uma criança de um ano tem que tomar?

Claro, fica muita mais fácil querer pagar R$ 90,00 para a diarista por dia para limpar uma casa de 150 metros quadrados se a gente não parar para pensar o quanto essa atividade é complexa. É muito fácil desprezar a mãe, a dona de casa se a gente não percebe o quanto essa pessoa tem que aprender para dar conta do trabalho.

Não se trata de tentar igualar atividades essencialmente braçais com atividades intelectuais. Mas entender que elas coexistem e precisam umas das outras. O médico (ou médica) precisa da enfermeira. Mais do que isso. O médico precisa saber e valorizar o cuidar. Porque ele lida com gente.

Quando a gente despreza o cuidar abre a porta pra formação de profissionais que acham que, por serem especializados, não podem nem devem cuidar. Para pessoas que dizem que “não sabem cuidar, não nasceram para isso”. Como se isso fosse uma atividade de segunda classe. Mas nós somos humanos. Nós convivemos com humanos. E humanos precisam de cuidados.

Todo mundo um dia vai precisar cuidar de alguém. Seja do conjugê, seja do filho, dos pais ou de si mesmo. Quanto antes a gente aprender que cuidar é essencial, antes vamos nos tornar uma sociedade melhor.