Nunca antes na história deste País (desculpem a ironia no uso da frase que se tornou bordão), um presidente da República do Brasil havia sido preso por um crime comum. Lula foi. E por quê? Porque as instâncias judiciais, tendo ele amplo direito de defesa, assim entenderam sobre o que foi investigado e denunciado.
Lula sempre foi um cidadão comum, de origem humilde, operário, deficiente físico e sem muita instrução. Por outro lado, sempre foi invejado por muitos nobres, esteticamente completos, intelectuais da classe política e de fora dela. Porque, embora Lula fosse e continue sendo “comum”, sempre se mostrou inegavelmente especial, diferenciado e capaz no exercício da política.
Muitos nunca lhe perdoaram esse talento. Sofreu diferentes preconceitos durante sua trajetória de quase meio século. Lula transcendeu adversidades e, aprendendo na dura escola da vida com os seus erros e acertos — também com os dos outros —, tornou-se, pela vontade do povo expressa nas urnas, presidente do Brasil. E foi reeleito com expressiva maioria.
O Supremo Tribunal Federal, integrado por doutos ministros, demonstrou firmeza para julgar acima do natural clima de emoção e apenas sob os fundamentos jurídicos. Confirmou o que se esperava: Lula é um cidadão comum.
Entretanto, o STF, e nem qualquer outra corte deste ou de outro país, poderá algum dia decidir que Lula não é pop. Porque ele ultrapassou o limite do simples político, para se tornar personagem diferenciado (mesmo na indignação diante de fatos) por milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Negar isso é fechar os olhos à realidade das ruas.
Foi perceptível nos que acompanharam a via crúcis de Lula pela televisão rumo à carceragem da Polícia Federal em Curitiba (PR), o progressivo desarmamento dos exaltados ânimos. O que deu espaço em seus corações e mentes a um sentimento de profunda tristeza. Naqueles momentos, o que estava sendo muito além de preso, e sim morto, era um sonho de muitos e que foi acalentado desde os duros tempos da ditadura.
Depois de se esgotarem todas as chances legais de provar sua inocência, após ato público em clima de volta às raízes no emblemático território onde nasceu e cresceu o mais representativo movimento nacional de luta pela democracia, Lula, nitidamente abatido, levou com ele para a prisão o sonho de muitos.
Agora, diante do trágico destino do homem comum que se misturou aos incomuns e caiu na armadilha da fama e da ostentação, nasce um novo tempo de esperança. É hora de construir um futuro. De fato, na prática e não no discurso. É hora de abrir um debate ético, transparente e produtivo para escolhas corretas.
Não há clima e suporte legal para Lula ser candidato nas eleições deste ano. E as esquerdas, que deveriam unir-se, seguem divididas, e não há nome que tenha, nem de longe, o mesmo peso que tem o do ex-presidente. E não há mais espaço para indicações como a de Dilma Rousseff.
No dia 8 de abril deste ano, a sociedade amanheceu de ressaca, sob uma curiosa sensação de simultânea perda e ganho. Os brasileiros estão cansados de brigas, discussões e polêmicas, por mais que elas tragam luz aos fatos, motivação às ideias. Todos querem ordem e progresso, valores de nossa bandeira usados no marketing político e não colocados ainda no dia a dia de todos nós.
O que se espera é a soberania do Estado, a independência dos três poderes, a liberdade ampla e irrestrita para todos. Que — com paz, trabalho e responsável esperança — possamos seguir em frente. Como a Lula, o destino reservou ao Brasil um grande destino. Que saibamos alcançá-lo pela via da legalidade.

Ricardo Viveiros é jornalista e escritor, autor, dentre outros, do livro “A vila que descobriu o Brasil