Ivan Santos

 

Apontada como primeiro passo para moralizar e modernizar o quadro político-partidário no Brasil, a reforma política corre o risco de continuar apenas no terreno das “boas intenções” por contas dos interesses conflitantes que a emperram. Da boca para fora, todos dizem ser necessária uma mudança nas regras para tentar recuperar a credibilidade da atividade política no País, em especial, dos parlamentos brasileiros. Na prática, ninguém consegue se entender sobre quais devem ser efetivamente as mudanças a serem feitas.

O governo Lula chegou a enviar duas propostas de mudanças no processo eleitoral ao Congresso, mas nenhuma delas foi votada. Um estabelece o financiamento público de campanha e o outro prevê a adoção de listas fechadas nas campanhas proporcionais. O presidente já anunciou que assim que deixar o Palácio do Planalto, em janeiro, pretende se empenhar pessoalmente para que a reforma finalmente avance. Mas mesmo aliados de Lula consideram difícil que as mudanças aconteçam.

“Com o empenho do Lula, algo deve sair. Mas acho muito difícil uma reforma mais profunda”, avalia o deputado federal paranaense reeleito e secretário Nacional de Comunicação do PT, André Vargas. “Não há um consenso, nem convencimento da sociedade sobre temas como o financiamento público de campanha e o voto em lista fechada”, explica.

O resultado da eleição de outubro, onde o humorista Tiririca (PR) se elegeu como o deputado federal mais votado do País, com mais de um milhão de votos, escancararam o descontentamento da população com os políticos. E fizeram ressurgir os discursos em torno da necessidade da reforma. Entre as ideias estão o fim das coligações proporcionais e a retomada da cláusula de barreira como forma de reduzir o número de partidos. O Brasil hoje tem nada menos do que 27 legendas diferentes, a maior parte delas sem qualquer representatividade política.

Outra possibilidade seria a abertura da chamada “janela da infidelidade”, para permitir que os eleitos possam mudar de partido sem perda de mandato, pelo menos por um período de um mês antes das convenções. “Há muitos interesses conflitantes e cruzados”, diz Vargas, que não acredita também nessa possibilidade.

O deputado federal Gustavo Fruet (PSDB) também vê poucas chances de uma reforma política mais profunda na próxima Legislatura. Ele não acredita nem mesmo em mudanças pontuais, como o fim das coligações proporcionais. “Toda mudança tem a lógica do pragmatismo. No caso das coligações, acaba prevalecendo os interesses locais”, diz. Ele é contra a instalação de uma Constituinte exclusiva para mudar o sistema político-partidário do País. “Achar que uma reforma vai mudar tudo é ilusão. Seriam os mesmos eleitos, com os mesmos vícios”, afirma.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirm que a reforma política é um desafio obrigatório da próxima legislatura. Segundo ele, os candidatos que venceram a última eleição sabem que não pode haver outra com o mesmo formato porque ela enfraquece os partidos e a atividade eleitoral. Ele admite, porém, que fazer uma reforma política é muito difícil.

“A partir do momento em que o deputado, senador ou governador se elege, já passa a pensar na sua próxima eleição. Então, tudo que venha a dificultar esse próximo passo gera desconfiança, má vontade”, diz o peemedebista, que defende uma reforma “fatiada”. “A cada eleição se atende a um dispositivo que seja um avanço, até se concluir todo o processo”, explica.

Ambiente

— Atual presidente da Câmara e vice-presidente da República eleito, o deputado federal Michel Temer (PMDB-SP), considera que existe ambiente para a votação e aprovação da reforma no próximo governo. Apesar do otimismo, porém, ele considera que a reforma, caso aprovada, deve ter validade apenas para as próximas legislaturas. “Não podemos fazer uma reforma agora para aplicá-la nas eleições municipais de 2012. Se pudéssemos realizar uma reforma para a legislatura subsequente, por exemplo, para prefeitos, em 2016, passaria com maior tranqüilidade na Câmara e no Senado”, prevê Temer, que também vê o “fatiamento” como uma estratégia para garantir o avanço da reforma. “O ideal seria aprová-la como um todo, mas acho que o todo tem dificultado essa aprovação. Podemos aprovar três ou quatro temas, separadamente e, depois, naturalmente, reuni-los em uma fórmula única”, considera.