Com duas novelas e uma lista extensa de filmes e minisséries no currículo, Matheus Nachtergaele acaba de estrear como diretor com o longa-metragem “A Festa da Menina Morta”, que hoje abre a 35ª edição do Festival Sesc Melhores Filmes 2009 – e já foi homenageado em Cannes.

Também no cinema ele vive o engomadinho Dirceu Borboleta, em “O Bem Amado”, e atravessa a caatinga calado no musical “Na Quadra das Águas Perdidas”. Em entrevista, feita por telefone na última quarta-feira, o ator falou à reportagem sobre sua experiência como diretor e sobre os próximos desafios na TV : o Tofano, de “Decamerão”, e o rabugento Queixão, de “Ó Pai Ó”.

– AE – Está ansioso para a abertura da 35ª edição do Festival do Sesc?

– MATHEUS NACHTERGAELE – Estou emocionado. Na abertura vou me comportar feito um pai babão. “A Menina” tem me dado muitas alegrias, maiores do que jamais esperei. Esse convite é uma delas. O fato de termos estreado em Cannes foi uma alegria muito grande.

– AE – De onde veio a inspiração para “A Festa da Menina Morta”?

– NACHTERGAELE – Em 1999, durante as filmagens de “O Alto da Compadecida” lá na Paraíba, fui a um forró de pé-de-serra onde as pessoas adoravam os trapos do vestido de uma menina morta. Essa menina tinha desaparecido e só foi encontrado o vestido dela. A família considerou isso um milagre. Achei um pouco triste, mas depois entendi que era uma forma de dar sentido à vida. Isso me estimulou a escrever. Coloquei no papel aspectos da minha vida pessoal que observo na religiosidade.

– AE – Você segue alguma religião?

– NACHTERGAELE – Não. Sou um ateu que acredita no milagre. Acho todas as religiões interessantes e adoro as cerimônias, talvez por ser de teatro e estar acostumado com a celebração. Eu adoro admirar os cultos e as festas religiosas, mas meu Deus não mora em nenhuma religião.

– AE – Quais são as suas referências no cinema?

– NACHTERGAELE – Tudo o que acumulei como experiência de vida dentro de mim. Não tenho um diretor predileto, mas tenho muito do Bergman, que vejo compulsivamente.

– AE – Os filmes brasileiros poderiam ser melhores?

– NACHTERGAELE – Estamos em uma fase bonita, mas faltam assuntos mais delicados a serem retratados. Estamos abordando bem a questão do nordestino e da violência nas metrópoles, mas espero que a gente solucione o problema da distribuição. A gente escreve, mas o filme não tem espaço: ou porque as salas estão ocupadas pelos filmes estrangeiros, ou porque o público brasileiro não está satisfeito com o cinema que se faz aqui.

– AE – O que falta então para os filmes brasileiros emplacarem?

– NACHTERGAELE – Falta plateia. Os bons filmes têm tido boas bilheterias, mas precisamos de uma situação financeira melhor. Ainda é puxado para uma pessoa conseguir ir ao cinema e ao teatro. Esse dinheiro faz falta para algumas famílias.

– AE – E o projeto “Na Quadra das Águas Perdidas”, como está?

– NACHTERGAELE – Quase pronto. Esse é um projeto do pessoal lá de Juazeiro, que é um musical sobre a travessia de um homem pela caatinga. O personagem não fala, ele faz essa travessia totalmente mudo e com a música são desenhadas as peripécias dele

– AE – Acha que nova geração de atores é boa?

– NACHTERGAELE – Hum…Vou dizer que a prova dos nove continua valendo. Sempre no meio da galera há alguns talentos genuínos. Um bom exemplo é o Cauã Reymond, que era só um rostinho bonito na TV e agora mergulhou no cinema. Eu estou “encantando” com ele, confesso. A Marjorie (Estiano) também está arrasando, com uma personagem densa. É uma atriz com um bom time de comédia. Só digo uma coisa: quem servir à máquina capitalista vai ser descartado mais rapidamente e quem for bom vai continuar.

– AE – Como telespectador, o que acha dos textos das novelas?

– NACHTERGAELE – Há coisas muito geniais e coisas que são um desgaste da antiga linguagem. O folhetim está muito desgastado, eu não consigo parar para ver. Prefiro documentários sobre o mundo animal e biologia.

– AE Você tem animais de estimação?

– NACHTERGAELE – Eu tenho cachorros, mas já tive mais bichos, tinha uma época em que minha casa parecia um zoológico. Era pássaro, cachorro, gato, tartaruga e até coelhinhos. Minha oração é a antropologia e a ecologia. Eu sou do tipo que chora com um beija-flor.

– AE – E você gosta da vida noturna?

– NACHTERGAELE – Mais ou menos. Eu sou muito caseiro. Por isso, quando eu saio, é pé na jaca. Cada vez mais eu gosto de ficar em casa com meus cachorros. Sou meio da roça, nasci na capital, mas fui criado junto à natureza em Atibaia. Sou muito calmo. Por exemplo: não tenho celular, não consigo acompanhar. Não quero falar mal da internet e do celular, mas tudo ficou rápido demais Estou em outro ritmo. Eu quero silêncio.

– AE – Você sente falta de fazer TV?

– NACHTERGAELE – Não tenho feito trabalhos muito longos na TV porque o filme acabou me exigindo uma atenção muito grande. Fiz “Queridos Amigos”, uma série para o “Fantástico” e, depois, “Ó Pai Ó” e “Decamerão”. Tenho feito TV, não novela.

– AE – Já chegou a dizer que a novela destrói o ator. Por quê?

– NACHTERGAELE – A flor pode nascer em qualquer lugar. Eu me orgulho do Carreirinha, de “América” (2005), mas a TV precisa despertar uma sensação de encantamento, senão é um risco pegar um personagem para ficar com ele durante um ano. Acho que quem faz uma novela atrás da outra não permite se exercitar em outras áreas. A imagem fica cansada. O Tony Ramos e o Francisco Cuoco, por exemplo, são exceções de atores que não ficaram marcados.

– AE – Por que sempre muda radicalmente para seus personagens?

– NACHTERGAELE – É uma ginástica da alma. Um ator vive muitas vidas em uma. O bonito é que é sempre você. Sou aquele nordestino faminto que foi o João Grilo. Sou aquele travesti dos anos 40 que é o Cintura Fina. Sou aquele comunista frustrado que foi o Tito em “Queridos Amigos”. Sou aquele peão abobado de “América”. Esse exercício permite que você veja que o assassino e o santo vivem em você. Esse é meu ofício, meu destino e minha sina.

– AE – Em “O Bem Amado”, o Dirceu Borboleta é parecido com o do Emiliano(Queiroz)?

– NACHTERGAELE – Estou fazendo de um jeito diferente. Procurei não rever o trabalho do Emiliano porque eu e Guel decidimos que eu tinha de fazer o meu Dirceu. Ele é encantado e nerd, mas a leitura que fiz é bem diferente. O meu Dirceu, por exemplo, não é gago como era o que Emiliano fazia.

– AE – Em maio volta para “Decamerão”. O que acha do trabalho?

– NACHTERGAELE – Um desafio, porque falamos todo o texto em versos, mas é bacana levar uma coisa nova para o público. Com trabalhos assim compensamos algumas coisas não muito boas na TV.

– AE – E você assiste ao “Big Brother”?

– NACHTERGAELE – Às vezes. Antes eu reagia muito, ficava preocupado com o significado disso, mas depois entendi que esses shows da verdade em tempo real são um fenômeno no mundo moderno.

– AE – Depois de atuar, dirigir e produzir, sente-se completo?

– NACHTERGAELE – Sim, até as estreias. Quando estreia me sinto com um rombo. Agora estou em um momento completo porque todos os meus projetos estão para estrear.