Recriações da  vida
O grande vencedor do Salão da Primavera 2006 do Clube Concórdia é, indiscutivelmente, Rones Dumke. Sua obra: “Bronzino. Eleonora de Toledo” obteve o Primeiro Prêmio-Aquisição Alfredo Andersen, da Andersen Balão Advocacia, dentre os 40 artistas selecionados.
O trabalho faz parte de uma série de 50 protótipos, iniciada no em 2005 e que vem sendo elaborada até aqui. Denominada “Os Racionais”, ela é fundamentada em referências simbólicas à história da arte, mais precisamente, às da pintura, mescladas à filosofia, à metafísica, à mitologia, enfim, em todo o conhecimento profundo de anos de estudos do artista. A busca pela temática da obra em sua mente inquiridora, o completo domínio dos materiais utilizados, mais o minucioso acabamento, fazem a arte única de Rones. Utilizando como suporte quadrados perfeitos – pertinentes às formas harmônicas da geometria sagrada – Rones dá vida a uma arte que não fica circunscrita ao olhar, o que seria “somente uma arte retiniana a satisfazer a visão”, segundo ele. Ao contrário, sua arte é derivada diretamente de proposições mentais, nas quais a sensibilidade exerce o papel de submetê-las e as traduzir nas formas estético-artísticas apresentadas. Assim, nasce a colagem de referências literárias, mitológicas, poéticas, filosóficas, analíticas, em que a mistura alquímica, como acontecia com os próprios alquimistas, exige a maturação após a concepção. Segue-se então, a execução laboriosa do trabalho, o que faz acessar as energias mais sutis do artista para as incorporar na obra de arte.   A elaboração artística não deixa de ser um processo simbiótico, em que a troca de favores e obrigações provém do acordo artista-arte-arte-artista. Sujeito e objeto, objeto e sujeito dependem um do outro, na continuidade de um feedback que faz ambos continuamente crescerem, tanto na arte, quanto na vida.   Um dos primeiros mestres de Rones Dumke foi o crítico de arte Casemiro Xavier de Mendonça, que lhe sugeriu alguns caminhos no início de sua carreira.  O outro foi Rones quem descobriu: Lasar M. (Portshok 1890-1941 Moscou), conhecido como El Lisitzky, um dos maiores artistas da avant-garde russa, cujas atividades na pintura, arquitetura, litografia, tipografia e fotografia contribuíram grandemente, em teoria e prática, para o Construtivismo, movimento artístico derivado do Suprematismo. Em 1920, ele criou a primeira de suas famosas colagens chamadas Proun, abreviatura de “Projeto para a Afirmação do Novo”.  Como diz Rones: “É um Suprematismo tardio e mais refinado”, o qual se enquadra muito diretamente na obra do artista paranaense.   O francês Marcel Duchamp é mais um de seus inspiradores. O criador da Arte Conceitual exerceu a mais importante influência desde os ready-mades de 1913 – feitos de objetos corriqueiros deslocados de seus usos normais – até o atual contemporâneo. Porém, o que Rones mais aprecia em Duchamp é a sua coerência na trajetória através do universo de magia do autor de “O Grande Vidro” ou “Even”, de 1923, que representa a súmula dos sonhos do artista em relação à era da máquina, a deusa matematicamente amada.
Rones, igualmente, mantém suas linguagens numa clara diretriz. Como o referencial de sua obra premiada é a pintura do italiano Agnolo Bronzino (Florença 1503-1572), que retrata Eleonora de Toledo e seu filho Giovanni de Medici, 1546, pode-se pensar que toda a série “Os Racionais” é baseada em pinturas famosas. Porém, não é o que acontece. O artista evita a gratuidade do explícito e o conteúdo de seus trabalhos mais recentes são recriações da vida que abrangem saberes diversos que vão da ciência ao mítico.  Além do que, estudioso compulsivo da história da arte, Rones é o único artista que conheço capaz de citar de imediato a autoria e o título de obras artísticas, sejam da atualidade ou do passado, olhando apenas algum detalhe. Mostrem-lhe o recorte de um pé, uma mão, porções de um torso ou de uma vestimenta que, enquanto outros podem achar algo familiar na tentativa de identificação, ele não só declara a que obra pertence tal parte, como dá informações adicionais. E isso, sem confundir as características dos muitos artistas de épocas nas quais todos pintavam com certa semelhança, como, por exemplo, os das bottegas italianas do Renascimento.
“Batimentos do pêndulo.
Sexto dia no atelier.
Espada dos filósofos!
Fogo dos alquimistas!
Pintura flamígera,
cera em combustão.”   Excerto de AELURUS, multi-poema “Rosto de Dédalo”, de Rones Dumke
  Amanhã, 12, último dia para ver o Salão da Primavera 2006 (Rua Pres. Carlos Cavalcanti, 815 fone  41-3222-8685).