É contação de história. Bem próxima do teatro.  Um teatro que usa elementos audiovisuais. E conta sobre histórias antigas, como o surgimento do fogo e de povos. Foi visto por cerca de 5 mil crianças na curta temporada que fez em maio, no auditório do Museu Oscar Niemeyer, escolhido a dedo para também provocar a vontade de outras artes. Paiquerê, Piquiti, Filetó, este é o novo espetáculo da atriz, diretora, escritora e contadora de histórias – por conseguinte, também uma pesquisadora – Cléo Busatto.

A reportagem teve a oportunidade de acompanhar uma dessas sessões abertas e estudantes da rede pública num começo de tarde de sexta feira em que a euforia era visível na criançada, que anunciava em alto e bom som, ainda dentro dos ônibus, sua chegada. Sabe como é, sair da sala de aula para uma dessas incursões é sempre uma festa. Só mesmo as professoras para conseguir manter o controle sobre tantos rostinhos de expressão ansiosa, estimulados pela excitação de ir ao teatro. Lá dentro, a balburdia vai dando espaço às descobertas, o que não os priva de acompanhar o ritmo tribal que invade a sala com palmas que marcam o compasso.

Mas, tudo bem comportado, é bom que se diga. A professora ao meu lado, comenta que não é algo fácil manter  a autoridade diante de crianças cujos pais cada vez mais deixam a responsabilidade de dar limites aos mestres. “Essa história exige um pouco mais de atenção para que os trajetos de cada personagem sejam compreendidos minimamente”, explica Cleo Busatto sobre a peça na qual exercita novo jeito de fazer sua contação de história.

Em cena, usa vários recursos do teatro, ambiente no qual se iniciou como atriz, aliás.  Um pouco de cenário, um detalhes práticos que criam com eficiência o figurino. “Sempre fui atriz. Pego o foco na literatura e faço uma mistura de linguagens. Tem momentos de contação de história, não é representação, embora essa diferença seja bem tênue”, comenta, completando que chamou Fátima Ortiz para dirigir exatamente para ter essa linguagem cênica. “Tem que fazer o corpo de índia velha, tem que mudar a entonação… É algo híbrido que não sei como chamar ainda. Uso materiais de meus Cd room para mostrar que dá para contar história mesmo com o uso de computador. Não é do mesmo jeito, mas é uma outra e peculiar arquitetura de construção”, pontua, sobre o projeto feito com apoio da Lei de Incentivo.

Mas, e aquela oralidade preciosa da contação de história, a tradição de passar de um a outro, não vai se perder assim? “A contemporaneidade exige isso, pede uma investigação  de linguagens. Posso chegar e contar história de Cleo, ser personagem.. são formas de contar. Não podemos ter pré-conceitos de achar que só pode um jeito. É uma arte milenar? É. Mas, estamos no século 21, e temos outras exigências, outros  significados poéticos”, argumenta. “Até porque são só suportes diferentes, no fundo é ter uma boa literatura o que interessa”, completa, lembrando que as crianças estão cada vez no mundo digital.

Na peça, Cleo aborda vários mitos, assunto que muito lhe agrada, por ser um segmento literário que revela culturas, as diferenças e também as semelhanças.  “Aproxima o negro africano, dos canadenses; oriente do ocidente. O  mito do surgimento do fogo,  por exemplo, é universal. Muda o jeito de cada povo traduzir. E os contos me interessam porque eles fazem eco nas pessoas”.

Para Cleo, quando se trata dos mitos fundadores de culturas,  se trabalha em prol da cultura da paz, ao usar o processo educacional para minimizar preconceitos. “Quando você mostra artisticamente a história linda de um povo indígena como os  caingangues, mostra que não existe só a cultura europeia. E quando se redimensiona que existem culturaS, cada uma com suas singularidades, você valoriza o mundo índigena e ele passa a ser visto com outros olhos. Quem tem esse olhar não vai tacar fogo num índio. Você quebra o processo xenofóbico”, argumenta.

Agora, Cleo quer começar a segunda etapa. Conseguir vender  temporadas em escolas particulares e teatros. Ou tentar outra temporada subvencionada. “O espetáculo tá pronto, é so o custo operacional. Empresas, escolas poderiam dar o espetáculo de presente no dia das crianças, por exemplo. Como tentei explicar não é só uma lendazinha indígena, como muitos consideram. É muito mais e acho que falta as pessoas perceberem isso. R$5 por pessoa não é muito para se investir no ser humano. você não acha?”. Não, definitivamente não é. Então, agora é esperar o anuncio de uma próxima temporada. Por agora, a parte de Cleo tá feita. Mas, essa simpática e tagarela baixinha de olhos azuis, que já encostou nos 40, não pára. Tem vários outros projetos de  continuidade em mente. “ Se não correr atrás de caminhos, a arte perde o sentida da vida”.

Serviço
www.cleobusatto.com.br