Já declarei, mais de uma vez, o quanto desejava ser arqueóloga quando adolescente. Apaixonada pela história do Egito Antigo, sua arte, seus objetos do dia a dia, suas roupas, suas jóias, suas esculturas e seus monumentos literalmente faraônicos, era meu maior desejo repetir a história da grande descoberta do túmulo de Tutankâmon.

Infelizmente, ao crescer percebi que a arqueologia não era nada viável em função dos cursos e recursos inerentes à profissão. Parece-me que havia na época somente uma faculdade em São Paulo ou no Rio de Janeiro que ofertava o curso, agora não me lembro. E quanto aos recursos financeiros então, nem cogitar, pois se no exterior as expedições arqueológicas estavam ao encargo de grandes entidades como a National Geographic Society, Smithsonian Institution e famosas universidades americanas, inglesas e alemãs, aqui estávamos – e desconfio que continuamos meio assim – na era do trabalho voluntário, despesas por conta de cada um e “vaquinha” dos próprios pesquisadores para comprar equipamentos indispensáveis às escavações…

Abrindo um parêntesis, quero registrar a dedicação e persistência daqueles que arriscaram tal carreira, dos quais temos um exemplo notável em Niéde Guidon, cuja trajetória venho acompanhando há tempos. A maior batalhadora pela preservação do patrimônio arqueológico brasileiro, ela é a diretora-presidente da Fundação do Museu do Homem Americano que administra o Parque Nacional da Serra da Capivara, junto ao IBAMA, no Piauí. Naquele local, que compreende 130 mil acres, estão demarcados 545 sítios arqueológicos, a grande maioria com pinturas rupestres que precisam ser preservadas e que comprovam a presença dos primeiros habitantes humanos das três Américas. Segundo Morgana Toaldo Guzela: “É uma das áreas remanescentes de ligação entre a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica, ocorrida há 7.000 anos.” Ver site: (htpp//www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?idconteudo=4821).
Voltando ao nosso assunto, o Egito representa o paradigma das escavações para quem se inicia na arqueologia, quer seja interesse passageiro, busca de conhecimento ou estudo profundo de uma civilização anterior. E é inegável a onipresença da morte e suas representações naquela população fundamentada na crença da vida após a morte.

Os egípcios viveram e construíram para a morte, sendo esta, paradoxalmente, o maior acontecimento da vida ao longo do rio Nilo. A preservação dos corpos pelo embalsamento, a começar pela autoridade máxima do Faraó, passando pela família faraônica e a nobreza, pelos sacerdotes, guerreiros, pequenas autoridades, juízes, escribas, agricultores, até chegar aos escravos, todos foram regidos pelo culto às divindades representadas também em seu direcionamento à morte.

Se voltarmos no tempo, no primeiro enterro realizado pelos homens pré-históricos já havia a preocupação de cuidar, proteger ou preservar o ente falecido ao cobri-lo com pigmento vermelho ou com pedras.
Minha segunda paixão, em termos arqueológicos, foram os astecas, enfatizada por uma viagem que realizei – em companhia de meu pai e minha mãe – quando adolescente ao México. Mais uma vez, a fixação daquele povo pela morte.
Creio que, senão no mundo, pelo menos na América Latina é a população que mais cultua atualmente a morte. Sua grande maioria é descendente dos índios nativos com raízes provenientes não só da civilização Asteca, como da Tolteca e da Maia, entre outras de menor representatividade. Esta é a razão da arte mexicana ser permeada explicitamente pela representação da morte, e aqui estou me referindo a todas as manifestações artísticas desde as tradicionais escultura, pintura, gravura, até a arte eletrônica. A morte é apresentada e mostrada não somente através da simbologia, como também é vivida em espetáculos teatrais, na música, e mais do que tudo, no que em alemão se chama “weltanshuung” – ou ideologia, modo de conhecer o mundo.
A conceituação do mundo mexicano regido pela morte se atinge o auge no Dia de Finados, quando as famílias se reúnem no cemitério para fazer piqueniques, beberem, conversar e comer “pan de muerto” – um pão em formato de tíbia recoberto de glacê de todas as cores.
Na verdade, esta é não somente uma comemoração à morte, é uma instalação ao vivo.