Continuando a discorrer sobre Poty, em minha opinião ele é o único artista na história da arte do Paraná que conseguiu elaborar uma linguagem imediatamente identificada por quem a vê e que reflete – de alguma maneira – um aspecto definitivamente brasileiro.

Esta aproximação entre a obra e o público esconde e mascara possíveis aprofundamentos em uma mais demorada análise. Começa aqui – no ponto onde as linguagens de outros artistas são finalizadas no reconhecimento – a diferença fundamental da arte de Poty Lazzarotto. Ela transcende nosso olhar, passando a gerar o que se poderia chamar de ligação arquetípica entre nós e a obra. Porque, ao contrário de muitos outros signos artísticos que a visualidade varre e esquece, a arte de Poty possui uma imanência tal que nos obriga à sua apreensão de forma permanente.

Assim, a arte de Poty não se esquece. Suas figuras, dispostas em incontáveis murais, painéis, desenhos e gravuras, juntamente com a definição gráfica concisa e emblemática dos assuntos, cenas de gênero e acontecimentos históricos, tem o poder paradoxal de num ligeiro olhar nos penetrar e se tornarem entranhadas de um modo duradouro. Esta verdadeira absorção, que sentimos atingir o nosso cerne, há muito se constitui meu motivo de conjeturas.

Longe de ufanismo curitibano em relação ao artista, não se tem como negar esta qualidade de impressão visceral intrínseca que sua obra suscita e permanece comparável à uma marca – uma espécie de carimbo mental e indelével.
Sabemos que grande parte deste efeito é proveniente da incisão firme e depurada do extenso convívio íntimo de Poty com a gravura. Sendo em essência um gravador, o artista perpassa este traço característico por toda sua obra, seja ela composta por desenhos, ilustrações, talhas; ou painéis e murais – que não deixam de ser também extensões da gravura, mais precisamente derivações da xilogravura. Entretanto, se torna evidente que isto não explica ao artista e sua obra; e nem tenho esta pretensão. Porém, algo mais telúrico e intemporal deve existir no âmago de sua linguagem para lhe dar este aspecto de presença constante.

Fazendo uma análise de sua produção, a começar pelos seus primeiros desenhos feitos na infância, nos quais a clareza e a definição de linha já os fazem distinguir se comparados à maioria dos resultados obtidos por crianças. Também ali, a temática já se revelava descritiva e com amplo domínio espacial, aliada a contornos certeiros e precisos, onde não há indecisão e nem os titubeios e cortes de linhas próprios do desenho infantil.

Passando para as histórias em quadrinhos – sua produção a seguir – sem falar na criatividade quando da elaboração e exploração da narrativa, pela qual desfilam os personagens, dinossauros, paisagens de ilhas perdidas no tempo, com cascatas e montanhas, o enfoque não é simples e nem frontal. O ponto de vista do desenhista adolescente elabora a história por meio de ângulos, planos e colocações diversas, notando-se aí a influência do cinema com suas tomadas, cortes e trabalho de câmera. Percebe-se também uma mudança da linha que ali tende ao tracejado, ao interrompido, sendo interessante constatar que este tipo de traço conduz à valorização do papel, ao abrir campos em branco. Assim, a ênfase é dada ao papel, que assume seu lugar de fundo infinito – o território da criatividade.
Uma das fases mais peculiares e, em certo sentido, a mais estranha à totalidade da obra de Poty é a dos retratos e alegorias em bico de pena no início da década de 1940. Não obstante a composição das figuras mediante a multiplicação de traços e a extrema visualidade que as facetas adquirem devido à utilização deste tipo de linha, estes recursos também vão contribuir para a determinação do traço decidido que o artista possuía, ao expandir a sutileza gestual da mão. Porque, para o artista trabalhar a figura mediante este processo, é necessário ter primeiramente o completo domínio mental dos contornos, linhas e planos para traduzi-los com o auxílio e a valorização do papel – este como parte ativa do desenho. Desta época são também as alegorias que, englobadas numa atmosfera surreal e onírica – além de concebidas no olhar dos desejos, sonhos, dramas e pesadelos da existência humana – já revelavam outro lado típico da obra de Poty. Isto é, o artista já demonstrava sua especial capacidade de dialogar em silêncio com a condição humana e dela extrair, via sua arte, a visualização de uma filosofia crítica, irônica e sem duvida, um tanto marota da vida, como se pode ver nas cenas de Curitiba.

(continua na próxima coluna)