Larissa Franco
Dando espaço para que a artista Larissa Franco discorra sobre suas mais recentes gravuras que, a partir do dia 17 de dezembro, vão estar expostas na Casa Andrade Muricy, ela utiliza o formato de uma carta, enfatizando o modo como suas obras vão ser apresentadas. Nas palavras da artista:

Curitiba, novembro de 2009.
Na exposição coletiva “Cartas”, são apresentadas duas séries de gravuras e uma de desenhos em que predominam a ornamentação e a escritura em torno do sagrado e do profano.
Na primeira série, de caráter sagrado, o arabesco prossegue como representação de uma escritura na ornamentação árabe inserida na cultura islâmica como forma de beleza e interpretação poética do texto do Corão.
Segundo o curador Paulo Herkenhoff: “A escritura do nome de Deus e o ornamento abstrato com significados simbólicos são a forma de superar o interdito da representação da figura humana ou do irrepresentável. Ao mesmo tempo, mantém a possibilidade de tornar visíveis os índices do sagrado irrepresentável.Oleg Grabar montou uma definição de ornamento como ‘qualquer decoração que não tenha referentes externos ao objeto em que ele se encontra, exceto no caso de manuais técnicos’. O ornamento, conclui Grabar, permite metáforas literárias, considerações filosóficas e discursos poéticos.
Franco compreendeu como a decoração é o leitmotiv da arte islâmica.” Catálogo da exposição “Tomie Ohtake na Trama Espiritual da Arte Brasileira”. 2003 p.83.    Esta interpretação poética está presente também na série de desenhos, porém de modo diferente da gravura. A cor também possui a designação de símbolo nestes desenhos.Na segunda série de gravuras denominada “Série Francesa” – mais diáfana que a anterior e constituída como uma pequena série-intervalo – há influência da música impressionista de Ravel e Debussy. Ela apresenta uma releitura da ornamentação Art Nouveau, na qual os motivos florais e orgânicos são constituídos como índices de um retorno à natureza. Nestas obras há um intervalo que se poderia chamar de “profano”, no qual é prestada uma homenagem aos mestres litógrafos do final do século XIX, que produziram os padrões para as diversas artes aplicadas, particularmente as obras de Maurice Palliard Verneuil e seus discípulos, de William Morris que lidera o movimento inglês Arts and Crafts, e do americano Louis Comfort Tiffany.Aqui a gravura adquire uma linguagem artística que se apropria do modo da estampa e da arte das formas antigas de ilustração, com a presença da linha fluída e do uso de tons violáceos, púrpuras e azuis. Em algumas gravuras, há certa irreverência e sutis toques do kitsch.
A construção de jardins imaginários, a individualidade, o deslocamento e a apropriação dão fundamento às questões contemporâneas presentes nesta série de gravuras e desenhos.
Larissa Franco.
Interessante notar que a artista, além do profundo estudo que vem realizando há tempos sobre a Art Nouveau – de fins do século 19 – e a arte islâmica em que é mestra, também recupera a forma da carta, um modo de comunicação que parece, hoje em dia, cada vez mais destinada a um plano inferior em relação à rapidez eletrônica. Somente quem leu “Relações Perigosas”, de Choderlos de Laclos (1741- 1803), pode ter uma idéia do que representavam as cartas para aquela época – no caso, século 18 – em que a história é situada; aliás, o livro não tem texto, ele é composto inteiramente por uma seqüência de cartas trocadas entre os personagens. (continua)