O papa Bento XVI disse, nesta terça-feira, que o escândalo de abusos sexuais envolvendo religiosos representa a maior ameaça à Igreja Católica Romana e que a crise “nasceu dos pecados ocorridos dentro da Igreja”, e não fora dela. O pontífice tratou do tema no avião, durante uma viagem para Portugal.

O papa pediu uma profunda purificação e penitência dentro da Igreja, assim como o perdão e a justiça. Em alguns de seus comentários mais fortes até o momento sobre o tema, Bento XVI disse que a Igreja Católica sempre sofreu problemas internos, mas “agora vemos isso de uma forma realmente assustadora”.

Nesta terça-feira, o papa inicia uma visita de quatro dias ao país europeu. Em Portugal, não houve revelações sobre padres que abusaram de crianças, mas em países do continente como Alemanha, Áustria, Bélgica e Irlanda, entre outros, esses casos vieram à tona nos últimos meses.

Numa mudança de atitude em relação à reação inicial do Vaticano de que a igreja era vítima de uma campanha realizada pela mídia e por grupos que defendem o aborto e o casamento de homossexuais, Bento disso que “a grande perseguição da igreja não vem dos inimigos de fora, mas nasceu dos pecados dentro da igreja”

Bento XVI prometeu que a igreja vai tomar atitudes para proteger as crianças e fazer com que os padres que cometeram abusos sejam levados à Justiça. Ele começou a “limpar a casa” ao aceitar a renúncia de alguns bispos que admitiram ter molestado jovens ou que encobriram a ação de outros padres.

Críticos exigem mais ações. Eles lembraram que embora o papa tenha repreendido a igreja e aceitado a renúncia de alguns bispos, nenhum deles foi realmente punido ou exonerado, nem mesmo aqueles que admitiram ter molestado crianças. “Muitas pessoas estão ficando cansadas de ouvir seus ‘fortes comentários’. Elas querem ver ações fortes”, disse David Clohessy, diretor do principal grupo de vítimas dos Estados Unidos, a Rede de Sobreviventes dos que Foram Abusados por Padres.

Não foram relatados casos de abusos em Portugal e o pontífice deve falar sobre outras questões durante sua visita, especialmente sobre a negligência dos valores cristãos.

Após a visita à capital, o papa, de 83 anos, deve ir até o santuário de Fátima, região central de Portugal, na quarta-feira, e ao Porto, a segunda maior cidade do país, na sexta-feira.

Pelo menos 500 mil pessoas são esperadas para a missa que ele realizará em Fátima na quinta-feira, data do aniversário da visão que três crianças pastoras tiveram da Virgem Maria em 1917

Os sinos das igrejas soaram em Lisboa enquanto o pontífice passava por suas ruas em seu papamóvel. Milhares de pessoas permaneceram nas ruas, mesmo num dia chuvoso, e muitas gritaram “Viva o Papa!”

Portugal é um país de cerca de 90% de católicos, mas apenas cerca de 2 milhões de seus 10,6 milhões de habitantes se descrevem como católicos praticantes. O governo socialista de centro-esquerda aprovou uma lei em 2007 que permite o aborto. No ano seguinte, introduziu uma lei que permite o divórcio mesmo se um dos esposos for contra. Para o governo, a legislação é parte da “modernização” de Portugal.

Bento XVI, que expressou preocupação sobre a perda de valores tradicionais na Europa, criticou a lei do aborto portuguesa em seu discurso no aeroporto de Lisboa e também criticou o fracasso das autoridades públicas de defender a santidade da vida.

“O ponto da questão não é um confronto ético entre um sistema secular e um religioso tanto quando uma questão sobre o significado que danos à nossa liberdade”, disse ele.

A visita do pontífice coincide com outro momento tenso entre as autoridades eleitas do país e a igreja.

O presidente conservador Anibal Cavaco Silva deve decidir até a próxima semana se veta ou ratifica um projeto aprovado no Parlamento que tornaria Portugal o sexto país da Europa que permite que pessoas do mesmo sexo se casem.