Uma avaliação preliminar das medidas anunciadas no segundo semestre de 2011 pelas autoridades brasileiras permite perceber uma inclinação à introdução de modificações relevantes, ainda que desprovidas de maior articulação e, em alguns aspectos, de consistência técnica, no arcabouço da política macroeconômica ancorada, desde 1999, no tripé formado por câmbio flutuante, superávit fiscal primário e metas de inflação. Para alguns analistas, adeptos da linha desenvolvimentista, essa alteração de postura representaria uma ruptura com a orientação implementada desde 1994.

No campo da macroeconomia, a sinalização de recuo dos juros, pelo Banco Central (BC) -, em um ambiente de desenho de acentuada desaceleração do ritmo de crescimento da economia mundial e de queda das cotações das matérias-primas minerais, metálicas e alimentares -, ajudada pelas apostas de maior responsabilidade fiscal e recuperação da poupança pública, resumidas no compromisso de superávit primário de 3,1% do produto interno bruto (PIB), propicia a montagem de um cenário de maior tolerância com as pressões inflacionárias de curto prazo em favor da sustentação da demanda agregada, mediante o dinamismo do mercado de trabalho e do investimento.

Até porque, parte expressiva da inflação brasileira é absolutamente insensível à direção e intensidade da taxa básica de juros (selic), caso das commodities, precificadas internacionalmente, e dos serviços, livres da competição dos importados. Não bastasse isso, a compressão dos juros aliviaria os dispêndios com a rolagem da dívida pública, e abriria flancos para a majoração dos investimentos.
Pela ótica do tecido produtivo, ao acatar a tese de ocorrência do fenômeno da desindustrialização, resultado da conjugação entre a concorrência predatória exercida por outras nações e o câmbio sobrevalorizado – determinado pelo diferencial entre juros internos vis a vis os internacionais e pela apreciação dos termos de troca do País no comércio internacional -, o governo vem delineando o retorno de práticas protecionistas, baseadas em incentivos e restrições de natureza tributária.

Mais especificamente, houve a decisão de maximizar (em 30 pontos percentuais) a cobrança do imposto sobre produtos industrializados (IPI) nas compras de automóveis feitas no exterior, por montadoras com grau de utilização de peças nacionais ou provenientes dos países do Mercosul e do México — áreas objeto de acordo automotivo e que representam 70,0% das compras externas de veículos efetuadas pelo Brasil — inferior a 65,0%.

Rigorosamente, a perda de espaço das atividades fabris pode ser atestada pelo recuo da participação do setor secundário no PIB total, pela diminuição do peso das manufaturas no valor das exportações e pela troca de produção doméstica por importações em vários ramos, desde os fabricantes de peças, partes e componentes até os produtores de bens de consumo.

Ressalte-se que a tendência do real forte não foi neutralizada com as aquisições expressivas de dólares feitas pelo BC, com a extensão do imposto sobre operações financeiras (IOF) ao ingresso de capitais de curso prazo e com as transações com derivativos cambiais. A depreciação da moeda brasileira, verificada em setembro de 2011, reflete um movimento de recomposição dos ativos denominados em dólares em escala planetária, como decorrência da exacerbação das expectativas negativas quanto aos rumos da economia mundial.
Contudo, ainda que a busca de restauração dos procedimentos de preservação do mercado interno para as companhias atuantes no País possa ser tolerada como um dos objetivos gerais de um projeto de desenvolvimento, sua aplicação no caso brasileiro tem se revelado seletiva e desalinhada em relação a política industrial do governo Dilma, anunciada em agosto de 2011 e denominada de Programa Brasil Maior, que tenciona incentivar as fábricas a assumir compromissos de ampliar a nacionalização dos produtos e a eficiência energética da produção.

O mais gritante, porém, é que o regresso da propensão protecionista expõe carências apreciáveis no diagnóstico das causas da invasão de bens importados no território brasileiro, especialmente o flagrante hiato de produtividade entre o parque operante no País e o dos seus principais parceiros comerciais.

Gilmar Mendes Lourenço, é Economista, Presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), professor do Curso de Economia e Editor da revista Vitrine da Conjuntura da FAE e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos. Foi eleito  O Economista Paranaense do Ano de 2011 pelo CORECON/PR. Ele escreve às quartas-feiras neste espaço