O evento da indexação pode ser retratado na atualização dos valores dos bens, serviços, contratos e ativos com base na trajetória pretérita de alguns índices de inflação, tendo sido semeado na segunda metade do decênio de 1960, no âmbito do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), com a instituição da correção monetária.

A correção consistia essencialmente em um mecanismo capaz de permitir a convivência pacífica entre os atores formadores e tomadores de preços no arranjo econômico brasileiro, em um clima de inflação moderada, o que, para os padrões mundiais da época, significaria ascensão média de preços em um faixa entre 10,0% ao ano e 30,0% a.a.

O emprego indiscriminado daquele instrumento para o reajuste dos valores dos papéis do governo (as obrigações reajustáveis do tesouro nacional – ORTNs), intermediados pelos bancos para a cobertura dos elevados e crescentes déficits do setor público, transformou  as engrenagens protetoras da indexação em combustível renovado da espiral preços-salários. De acordo com o diagnóstico do economista Antônio Gouveia de Bulhões, ministro da Fazenda na época do PAEG, e criador da correção monetária, esse processo fez a criatura voltar-se contra o criador,

Por certo, a rápida multiplicação da cultura indexada no aparelho de negócios foi, no final dos anos 1980 e começo da década de 1990, a principal responsável, ao mesmo tempo, pela eclosão da superinflação e a não dolarização da economia do País. Isso porque, descobriu-se um refúgio para a defesa do valor real dos excedentes das grandes corporações e das classes que compunham o pico da pirâmide social, configurado nos títulos governamentais transacionados pelas entidades financeiras (os bônus do tesouro nacional fiscais – BTNfs).

Os papéis públicos eram hospedados nas carteiras de fundos de aplicações de curto termo dos intermediários financeiros, que se ramificavam até em depósitos em contas correntes remuneradas. Ademais, reproduziam autênticos taxímetros da inflação diária e, curiosamente, asseguravam a manutenção de duas funções clássicas da moeda: unidade de conta e reserva de valor.
A farra da ciranda financeira, que ampliava a participação, e produzia até a supremacia, dos itens não operacionais no faturamento das companhias de grande porte, e o descontrole inflacionário dela decorrente, só foi comprimida com a aplicação de um produto de engenharia econômica rotulado como Unidade Real de Valor (URV), lançado em março de 1994 e que representou um embrião do Real, restituindo os atributos de um padrão monetário estável: conta, valor e meio de troca.

Em 1999, ocorreu um empuxe do nível geral de preços, capitaneado pela onda especulativa que acompanhou a mudança do regime cambial, que passou de fixo – com variação em bandas administradas pelo Banco Central (BC) – para flutuante. Com isso, a inflação pulou de menos de 2,0% ao ano para quase 30,0% a.a., nas tabelas industriais, e de 2,0% a.a. para 9,0% a.a. ao consumidor.
Nesse episódio, fatores pontuais ligados à conjuntura econômica, como o quadro recessivo em um ambiente de ampliação da concorrência, imposto pela radicalização abertura comercial, e a sinalização de socorro financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), auxiliados por mobilizações sociais, como a frente mude de marca, motivada pelas donas de casa do Rio Grande do Sul, impediram a restauração do caos acoplado ao imposto inflacionário.

Em 2002, houve nova desgarrada dos preços, associada à exponencial depreciação do real, por conta da disseminação do pânico com a especulação de inevitáveis quebras de regras financeiras, motivada pela possibilidade de eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no pleito presidencial daquele ano. A intensidade de incremento dos preços saltou de 12,0% a.a. para 35,0% a.a., nas transações entre empresas manufatureiras, e de 8,0% a.a. para 13,0% a.a. nas operações de consumo final.

No exercício de 2008, particularmente no primeiro semestre, o Brasil importou uma inflação planetária derivada da combinação entre o descompasso na equação de oferta e demanda por alimentos, metais e petróleo, atribuído ao forte incremento da demanda dos emergentes, liderados pela China; à substancial depreciação da referência das trocas comerciais internacionais (dólar); ao elevado e crescente déficit em conta corrente dos Estados Unidos (EUA); e às operações especulativas realizadas em mercados futuros de commodities, depois da queda dos juros da economia norte-americana, verificada entre agosto de 2007 e abril de 2008.

A porta de entrada da espiral inflacionária exógena foi aberta em meados de 2007, quando a principal arma contra a inflação no Brasil, a expressiva valorização do real, não conseguiu acompanhar a curva ascendente das cotações dos produtos básicos e semi-elaborados em âmbito mundial.
Pela primeira vez depois dos distúrbios de 1999, 2002 e 2008, o Brasil presenciou, em 2011, a ameaça de ressurgimento de um surto inflacionário e, o que é pior, de eminente de regresso da patológica memória inercial na formação de preços.

Gilmar Mendes Lourenço, é Economista, Presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), professor do Curso de Economia e Editor da revista Vitrine da Conjuntura da FAE e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos. Foi eleito  O Economista Paranaense do Ano de 2011 pelo CORECON/PR. Ele escreve às quartas-feiras neste espaço