De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de um milhão de pessoas morrem por ano vítimas de acidentes de trânsito no mundo. Só no Brasil, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, 9,5 mil pessoas, em média, perdem a vida em atropelamentos todos os anos. Um estudo feito nos Estados Unidos revelou um dado curioso envolvendo acidentes com pedestres: em seis anos, o número de atropelamentos de pessoas usando fone de ouvido triplicou. A pesquisa, publicada na revista especializada Injury Prevention (do grupo British Medical Journals), aponta adolescentes e jovens adultos entre as principais vítimas.

É difícil encontrar no nosso país um levantamento semelhante, porém, é inegável que o uso deste tipo de acessório causa distração. A Perkons ouviu especialistas que concordam quanto ao risco a que pedestres estão expostos. São poucos os estudos que analisam os diferentes fatores contribuintes para um atropelamento. Podemos somente falar em fatores de risco para o pedestre com base em pesquisas realizadas no exterior, ressalta Renata Torquato*, psicóloga brasileira que trabalha no Departamento Nacional de Trânsito da Noruega (Norwegian Public Roads Administration), em Oslo.

E os riscos não se resumem apenas a ouvir música, mas também enviar mensagem de texto, falar ao celular e até mesmo conversar com outra pessoa enquanto se atravessa uma via. A modernidade leva ao conforto e à facilidade de comunicação, o que muitas vezes coloca o ser humano em condição de risco produzindo o surgimento de situações adversas. Os mais jovens dominam com mais facilidade e rapidez a tecnologia e, por isso, são as maiores vítimas de acidentes quando transitando nas ruas, afirma Dirceu Rodrigues Alves Junior**, diretor do Departamento de Medicina Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET).

Para o médico especialista em medicina de tráfego, é preciso que o pedestre mantenha em alto nível a atenção, do contrário não conseguiremos reduzir os índices de atropelamentos. O uso desses equipamentos reduz acentuadamente a percepção e retarda o tempo de resposta em caso de situação adversa, enfatiza.

A psicóloga Renata Torquato corrobora a opinião esclarecendo que os sentidos são responsáveis por comunicar o aparelho cognitivo com informações relevantes para a tomada de decisão frente a um determinado estímulo. Quando uma pessoa fala ao celular ou usa um aparelho eletrônico com fone de ouvido, a capacidade dos sentidos de captarem as informações sensoriais do ambiente fica dividida. O resultado dessa divisão de atenção faz com que os sentidos não percebam todos os estímulos fornecidos pelo ambiente que são necessários para que ela realize a travessia de forma segura, expõe. Desse modo, a informação insuficiente faz com que a pessoa emita uma resposta inadequada, gerando assim o comportamento de risco, avalia.

Incerteza

É impossível saber com precisão o número de vítimas de acidente de trânsito causado por uso de equipamentos tecnológicos. Os boletins de ocorrência não trazem a informação de que a pessoa utilizava celular no momento do acidente, por exemplo. Ademais, muitas vítimas se negam a admitir o fato, em grande parte por acreditar que poderão ser prejudicadas.

Para o condutor, de acordo com o artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (http://www.ctbdigital.com.br/?p=Artigos&artigo=252&campo_busca=), é proibido dirigir utilizando-se de fones nos ouvidos conectados a aparelhagem sonora ou de telefone celular. A infração é considerada média, com multa de R$ 85,13 e quatro pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Nos Estados Unidos, algumas cidades já proíbem o uso do aparelho celular também para o pedestre. Entretanto, essa não é uma opinião unânime entre os planejadores e pesquisadores de trânsito, pondera Renata.

Os pedestres também têm deveres, que estão especificados no CTB. De acordo com o artigo 254 (http://www.ctbdigital.com.br/?p=Artigos&artigo=254&campo_busca=), é proibido, entre outras atitudes, atravessar a via dentro das áreas de cruzamento, salvo quando houver sinalização para esse fim. A lei estabelece multa, mas como não há regulamentação para essa penalidade, os infratores seguem impunes.

Dentro e fora do veículo

De acordo com Renata, entre os comportamentos observados nos pedestres que falavam ao celular enquanto faziam travessias estavam: não olhar para todos os sentidos antes de cruzar a via, não respeitar o semáforo, não se certificar de que todos os veículos motorizados estavam totalmente parados e, ainda, andar vagarosamente sem observar a aproximação dos veículos. Vale ressaltar que esses estudos foram realizados em outro contexto cultural. Isso deve ser levado em conta antes de aplicar os resultados para o contexto brasileiro, pondera a psicóloga, que também é pesquisadora, consultora e realiza palestras sobre processos psicológicos e comportamentos no trânsito com ênfase nos usuários vulneráveis (ciclistas e pedestres).

O diretor da ABRAMET lembra que a tecnologia pode distrair também quem está dentro do veículo, atrás do volante. Motoristas que falam ao celular ou usam o GPS, por exemplo, também tem a atenção desviada; no entanto, o pedestre ainda é o elemento mais frágil no trânsito, daí a necessidade de atenção a todo o momento, alerta.

Em última análise, uma mudança de atitude sobre o comportamento de pedestres por meio de campanhas educativas seria importante para limitar os riscos de atropelamentos ocorridos por distração. Um planejamento urbano adequado pode contribuir para influenciar de forma positiva o comportamento dos pedestres, principalmente por obras de engenharia que propiciem a criação de locais para travessias seguras, diminuindo a mortalidade advinda do conflito entre pedestres e motoristas, reflete Renata, que vai além. Nos locais onde esses conflitos não possam ser evitados, a lógica da prioridade deve partir da premissa do pedestre, já que esse é o usuário mais vulnerável no trânsito, conclui.