Dona Onícia dos Reis Silva tem 75 anos e uma disposição invejável. Vive cercada por uma família de 20 pessoas e, apesar de cultivar a terra diariamente, exibe as unhas meticulosamente pintadas. Sou feliz desde a hora que acordo.

Ela foi uma das primeiras moradoras a iniciar a roçada para construção das hortas embaixo das torres da Eletrosul Centrais Elétricas S/A e fez daquele pedaço de terra parte de sua vida e de sua alegria: Se tirar minhas hortas e meu baile, estou morta, diz.

A horta faz parte do projeto de Agricultura Urbana em Curitiba, da Secretaria Municipal de Abastecimento, apontado como modelo no país. Em toda a cidade, o programa mobiliza 9.719 pessoas, de 97 localidades, que cultivam 1.225 hortas em 95,8 hectares. Somente da parceria firmada com a Eletrosul são 18,8 hectares com a atuação de 507 famílias, ou 1.777 pessoas, em torno das 485 hortas, instaladas abaixo das torres de transmissão de energia. A área é subdividida em 16 trechos de hortas comunitárias de sete comunidades.

Onícia cultiva há 13 anos um pedaço de terra, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), na Horta Comunitária Vitória Régia. Hoje ela cuida de duas hortas, a dela e a da filha, que juntas têm cerca de 600 metros quadrados.  A lida na terra define a rotina diária de dona Onícia. Levanto às 6 da manhã, colho as verduras, encho a cesta. Filhos, netos, bisnetos comem daqui. Faço doação para a escola, algumas vezes para alguém que precisa ou vem pedir, e o restante entrego em quatro restaurantes do bairro, conta.

Dona Onícia chega a colher 20 pés de alface por dia. Também cultiva os mais variados tipos de verduras, cenoura, beterraba e até milho e feijão, de acordo com a época. Após as entregas, dedica-se a tarefas de manutenção. Essa é a rotina que repete todos os dias até próximo do meio dia. Ela retorna ao local às 17 horas para fazer a rega, ainda com água retirada de poço artesiano. Devido à localização, embaixo de torres de energia, não é permitido rega por aspersão e os participantes do programa são orientados a não permanecer no local em dias de chuva e trovoadas. Sua pequena produção garante uma economia em casa de aproximadamente R$ 200 ao mês. Verdura está muito cara, enfatiza. Sem muita precisão, estima que consegue ganhar valor equivalente com as vendas para os restaurantes.

Agricultura Urbana

O programa de Agricultura Urbana tem regras bem definidas e tem o objetivo de oferecer atividade às famílias interessadas e garantir alimentação saudável com aproveitamento de vazios urbanos. Indiretamente, a utilização de espaços ociosos evita a criação de áreas tomadas por mato e lixo urbano.

Na horta comunitária de dona Onícia, com área total de 30,6 metros quadrados, existem 128 pequenas hortas cultivadas por 528 pessoas. Cada família é responsável por uma horta e, sob pena de perder o direito de cultivo, deve manter o local limpo. Os beneficiados também devem seguir práticas de manejo padrão, como espaçamento entre mudas, largura de canteiros, adubação, preparação de solo e tipos de culturas. Em cada horta há um monitor responsável que atua como facilitador. Oferecemos toda capacitação, apoio técnico e deixamos a associação de moradores administrarem para que pratiquem a convivência em grupo, explica o chefe da unidade de Agricultura Urbana da secretaria, Edson Rivelino Pereira.

Uma vez por mês são entregues às famílias kits de insumos, compostos por sementes, mudas e adubos. Habitualmente há entre 12 e 15 espécies de hortaliças para garantir variedade no consumo alimentar e evitar o cultivo de uma só espécie. Nosso objetivo é a segurança alimentar e não a comercialização. A destinação da produção é responsabilidade de cada família. Trabalhamos a diversificação para que não sejam criadas monoculturas., conta Pereira. A prefeitura de Curitiba também garante os serviços de preparo de solo com implementos agrícolas e a reforma dos canteiros a cada um ou dois anos, conforme a necessidade.

O apoio técnico é realizado pela equipe formada por três engenheiros agrônomos, um técnico agrícola e seis estagiários de Agronomia. Cada técnico é responsável por um grupo e uma vez por mês realizam as visitas técnicas para orientar os integrantes do projeto. Tudo é orgânico. Não há utilização de produtos químicos para combater pragas. Ensinamos a utilizar o manejo, calda de fumo, água com sabão, catação manual, depende do que é preciso tratar. Utilizamos princípios da agroecologia e da agricultura convencional, porque é necessário manter os locais limpos, conta Pereira.