Ainda hoje, muitos profissionais da saúde de Curitiba acreditam que apenas a orientação psicológica ou psiquiátrica é suficiente para recuperar um dependente químico. É essa crença, que também impera entre as famílias, que coloca em risco a recuperação do usuário de drogas e álcool e aumenta a chance de recaídas. O motivo da ineficácia está justamente em dois dos principais sintomas da doença: a falta de escuta e a regressão da idade mental. O alerta é do assistente social do MP-PR (Ministério Público do Paraná), Marco Afornali, que tem quase 20 anos de experiência no atendimento a dependentes químicos e seus familiares, e aponta para a necessidade de os tratamentos terem enfoque multidisciplinar.

Afornali explica que o dependente químico caminha numa espécie de regressão da idade mental, da fase adulta até o útero materno, simbolicamente. De acordo com ele, gradativamente o dependente perde o senso de responsabilidade e até a moral (portando-se como um adolescente inconsequente); e apresenta comportamentos passivos e dependentes de quem está ao redor (como uma criança). Se a dependência for do álcool, o usuário pode chegar à fase mais grave da doença, a infantil, em que muitas vezes perde o controle dos esfíncteres e o motor, pode perder os dentes e adquire um biótipo inchado e redondo, assim como um bebê. Num extremo, os dependentes chegam a óbito, que seria, simbolicamente, o retorno ao útero materno.

Essa regressão agrava a falta de escuta, outro sintoma da doença, que é causada pela intoxicação. Por isso não adianta falar, falar e falar para ele sobre as consequências do seu comportamento, não adianta pedir para que ele pare de usar álcool e drogas dizendo que está fazendo a família sofrer ou que está destruindo a sua vida e a dos seus familiares. Ele não escuta, não entende… E mesmo que ele escutasse e desse atenção, não conseguiria mudar por conta própria, pois está extremamente intoxicado, o que muda a sua compreensão do real. Seria como falar para uma pessoa com câncer que o câncer é terrível e que ela não deveria desenvolver a doença, explica Afornali.

Além disso, mesmo se fosse eficaz quando usada isoladamente, a abordagem terapêutica da sensibilização pela fala poderia atingir somente o aspecto psicológico, que é apenas um dos cinco componentes da doença. Os outros quatro são biológico, espiritual, familiar e social. O profissional de apenas uma dessas áreas não consegue ajudar o dependente químico como um todo e, quanto menos componentes se tratar, maior a chance de recaídas e menor a chance de sucesso no tratamento. Além disso, a equipe multidisciplinar reduz o poder de manipulação do dependente, que costuma gerar intriga entre os profissionais e desviar a atenção deles. Para um tratamento integral e efetivo, é preciso abordagem multidisciplinar por profissionais capacitados nas diferentes áreas e com o objetivo comum de ajudar o dependente químico, sem deixar prevalecer vaidades, aponta.

Em geral, diz Afornali, as equipes devem ser compostas por psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermeiro e terapeuta ocupacional, com profissionais de ambos os sexos. Dependendo do caso, outras áreas de atuação são necessárias, como a do direito.

Mais informações sobre o assunto e outros temas relacionados à dependência química estão no livro Por trás da Aparência Singela de Mãe, escrito por Afornali em conjunto com o psicólogo e mestrando em dependências químicas Raphael Mestres.

Sobre os autores

Marco Afornali é assistente social, com formação em Terapia Familiar Sistêmica e Naturoterapia, graduado em Medicina Chinesa e Dependências Químicas. Trabalha no MP-PR (Ministério Público do Paraná) e atua também atendendo famílias que possuem problemas de dependência química e alcoolismo há quase 20 anos. Em 2007, escreveu seu primeiro livro Alcoolismo – das famílias às instituições públicas à luz da prática no Serviço Social, que trata do assunto a partir do viés político e social. Também escreveu diversos contos que exemplificam, de forma às vezes bem humorada, às vezes trágica, muito do que pensa e viveu ao longo de sua experiência.

Raphael Mestres é psicólogo e mestrando em Dependências Químicas na Universidad del Salvador, em Buenos Aires. Baseia suas ações e seu trabalho em teorias psicanalíticas, como as de Freud e Jung, e na teoria sistêmica, visitando também a Logoterapia, Neuropsicologia e Filosofia. É palestrante em escolas e empresas, sempre com foco na prevenção. Trabalha com estudantes, pais e professores, e também cria e orienta projetos e programas. Aplica pesquisas para investigar as crenças que predominam nos grupos e depois, com atividades práticas, age para quebrar a lógica existente sobre o elevado consumo de drogas e suas consequências, apresentando, de forma simples, aspectos que vão do psicológico ao biológico.