Em 31 de março de 1964 teve início em Belo Horizonte o movimento militar liderado pelo General Olimpio Mourão Filho, que resultou na implantação de uma ditadura militar que perdurou por 21 anos. O país vivia em plena democracia, asseguradas todas as liberdades. O Congresso Nacional manifestava-se com plenitude. O Poder Judiciário exercia suas funções livremente. No ano seguinte, em 1965, haveria eleição presidencial, na qual deveriam concorrer Juscelino Kubitschek, pelo PSD, Carlos Lacerda pela UDN, e talvez o governador de Pernambuco Miguel Arraes, pela esquerda.
Mais que as agitações internas, parece-me que o fator principal da ditadura militar no Brasil proveio da interferência dos Estados Unidos. Documentos divulgados revelam de forma inequívoca a interferência norte-americana para a deposição de João Goulart. Reunião gravada do Presidente John Kenedy com o embaixador Lincoln Gordon, dos EUA no Brasil, e personagens do staff governamental, apontam contatos com militares e providências administrativas para derrubar João Goulart. Está gravado que o Presidente Kennedy em reunião em 30 de julho de 1962 na Casa Branca manifesta apoio a movimento militar para tirar Jango do poder. É sabido que a América do Norte também ajudou a instalar ditaduras militares no Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia.
João Goulart evitou a luta fratricida e o derramamento de sangue por duas vezes: em março/abril de 1964 e anteriormente na campanha pela sua posse liderada pelo governador Leonel Brizola, após a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961.
Conforme o livro 1964: O DNA da Conspiração, Editora Scortecci, 2012, escrito pelos coronéis do Exército Gastão Rubio de Sá Weyne e Jônathas de Barros Nunes, nos primeiros meses da ditadura 50 mil pessoas foram presas, 2.127 processos foram instaurados no governo Castelo Branco, e 4.460 no governo Garrastazu Médici. O jornalista Fernando Rodrigues em sua coluna na Folha de São Paulo de 01 de fevereiro de 2010 publica alguns números alarmantes das arbitrariedades da ditadura (…)
A ditadura perseguiu intelectuais e cientistas que foram cassados das cátedras universitárias e dos Institutos de Pesquisas, dentre eles Fernando Henrique Cardoso. É datado de 26 de fevereiro/1969, o famigerado Decreto-Lei 477, que autorizou as reitorias das Universidades a expulsar estudantes e demitir professores.
Não me eximo de reconhecer méritos dos governos militares. Castelo Branco fundou em 1966 a Embratur e a Zona Franca de Manaus, e decretou o Estatuto da Terra, com a aprovação do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), hoje INCRA. Decretou o Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS). O presidente Costa e Silva criou importantes empresas estatais: a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), a Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A (Embraer), e a Petrobrás Química S/A (Petroquisa), braço petroquímico da nossa estatal do petróleo. Médici instituiu o Primeiro Plano de Desenvolvimento, de 1972 a 1974. Ernesto Geisel restaurou relações diplomáticas com a China, reconheceu a independência de Angola, revogou o Acordo Militar Brasil- Estados Unidos, e assinou o Acordo Nuclear com a Alemanha Ocidental para construção de 10 usinas núcleo-elétricas no Brasil. Fundou a estatal Nuclen e instalou fábrica para construção de equipamentos nucleares em nosso território. Estabeleceu o programa do Proalcool. Construiu grande parte das usinas hidrelétricas de Tucurui e Itaipu. João Batista Figueiredo concluiu o processo de redemocratização e devolveu o poder aos civis.
Deplorável, que decorridos 29 anos do fim da ditadura não tenham sido esclarecidos, dois assassinatos de personalidades notórias: o do ex-deputado federal Rubens Paiva, e de Vlademir Herzog, diretor da TV Cultura de São Paulo, preso, torturado, e morto com simulacro de suicídio por enforcamento.
Acontecimentos recentes contribuíram para corrigir a iniquidade da história: a restituição simbólica pelo Congresso Nacional dos mandatos dos senadores e deputados federais cassados pelo regime militar, e honras oficiais e militares, com a presença da Presidente Dilma Rousseff, a João Goulart em Brasília, após a exumação de seu corpo em São Borja.
Felizmente, depois dos 21 anos de opressão, consolidou-se a democracia no Brasil sob a égide da Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988. Hoje, é praticamente unânime o repúdio do povo brasileiro a atos discricionários. Podemos dizer a uma só voz: Ditadura nunca mais, democracia para sempre.

Léo de Almeida Neves é membro da Academia Paranaense de Letras, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-deputado federal