No dia 28 de março, o Brasil acordou indignado ao saber que mais da metade de sua população concordava, ao todo ou em parte, que uma mulher usando roupas curtas merecia ser atacada. Alguns estavam indignados com o pensamento revelado pela pesquisa. Outros, com a própria pesquisa.

A pesquisa, intitulada Tolerância social à violência contra as mulheres, foi realizada pelo Ipea – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, e faz parte de um estudo mais amplo, o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), que visa captar a percepção das famílias acerca das políticas públicas implementadas pelo Estado, independentemente destas serem usuárias ou não dos seus programas e ações.

Apesar de assustador, o resultado não surpreendeu quem acompanha os dados sobre a violência feita às mulheres, seja no espaço privado ou no espaço público. Ou quem acompanha as notícias sobre mulheres assassinadas por seus companheiros quando decidem separar-se deles. Ou quem topa com postagens e comentários que julgam e classificam as mulheres nas redes sociais.

Poucos dias antes, o Portal iG havia publicado uma enquete sobre o que poderia ser feito para evitar que as mulheres fossem assediadas nos meios de transporte público. Havia três opções, e nenhuma delas considerava algo que envolvesse o assediador. Uma das opções era que a mulher evitasse usar roupas curtas ou decotadas. E adivinha só? Era esta que estava ganhando, disparado.

É por isso que os números da pesquisa do IPEA não surpreenderam aqueles segmentos da sociedade que se interessam pelo assunto da violência contra a mulher, ou aqueles que vivem na pele esta violência, rotineiramente. Mas outros se surpreenderam bastante, a ponto de tentar negar os resultados, buscando desqualificar a metodologia de pesquisa.

Ora, as pesquisas não são 100% corretas e nem devemos acreditar piamente nelas. Porém, transparece aqui um dois pesos, duas medidas. Por exemplo: no mesmo mês de março, no dia 14, especificamente, o IPEA divulgou uma pesquisa sobre os serviços de telecomunicações no Brasil. A pesquisa também faz parte do Sistema de Indicadores de Percepção Social. O perfil dos entrevistados é bastante parecido com aquele da pesquisa sobre a violência contra a mulher. Mas não lembro de ter visto a imprensa questionando seus resultados nem sua metodologia, como fez com a outra.

Um dos aspectos mais cruéis da violência contra mulher, depois da sua existência, é quando alguém desqualifica esta violência, dizendo que ela não existe ou que a vítima é responsável por ela. Pior ainda quando essa desqualificação vem de instituições que, em teoria, possuem certa credibilidade social, como a imprensa. Bem ou mal, as mensagens dos meios de comunicação influenciam ou legitimam certas opiniões, aumentando e muito o sofrimento das vítimas e prejudicando o combate a este tipo de violência.

No dia 4 de abril, o IPEA divulgou uma errata da polêmica pesquisa, dizendo que uma troca de gráficos entre duas questões resultou em uma interpretação errada dos dados. A parcela da população brasileira que concorda com o ataque a mulheres com pouca roupa não é de 65%. Na verdade, é de 26%. Para dar esta notícia, alguns jornais usaram o termo só antes do dado corrigido.

Ter um quarto da população que pensa assim é muito melhor do que mais da metade. Mas está longe de ser só. Profissionais experientes e teoricamente esclarecidos incorreram nesta distorção, enquanto pessoas mais jovens e ainda em formação conseguem ter um pensamento muito mais lúcido e razoável. Disse um aluno meu: 26% ou 66 % é preocupante do mesmo jeito, porque mostra que em pleno século 21 existe um pensamento retrógrado como esse.

Outra coisa que as notícias não destacam sobre a pesquisa, e que está no comunicado do IPEA, é que outros resultados, igualmente assustadores, se mantêm. Por exemplo, 58,5% dos entrevistados concordam com a ideia de que se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros.

Não vejo muito motivo para comemoração na errata da pesquisa. Vejo, sim, que a comoção causada por este equívoco trouxe – novamente – um problema grave à tona, aumentando o debate sobre o assunto e provocando uma certa autorreflexão por parte da sociedade. Outro efeito colateral positivo do equívoco é ter revelado a resistência de certos setores mais conservadores da imprensa em reconhecer e encarar de frente um problema que é grave e real. Espero que, a partir disso, os leitores selecionem melhor os veículos para os quais dirigem a sua audiência.

Adriana Baggio é publicitária, doutoranda em Comunicação e Semiótica e professora do curso de Comunicação Social do Centro Universitário Uninter