Por Artur Rodrigues, Enviado especial
TRÊS PASSOS, RS, SÃO PAULO, SP, 19 de abril (Folhapress) – Na casa da família Petry, Bernardo Uglione Boldrini, 11, não precisava nem bater na porta para entrar.
Ali, ele era como toda criança. Brincava e fazia bagunça, mas também era obrigado a decorar a tabuada.
Era tudo o que, segundo conhecidos, ele não tinha na própria casa, onde vivia com o pai, o médico Leandro Boldrini, 38, e a madrasta, Graciele Ugulini, 32. Ambos estão presos sob suspeita de assassinar o menino, encontrado morto no dia 14, em Frederico Westphalen (a 447 km de Porto Alegre).
Boldrini nega participação no crime. A madrasta ainda não constituiu advogado.
O descaso dos dois com a criança era comentado por toda a cidade de Três Passos (RS), onde viviam.
Sem a chave de casa e rejeitado pela madrasta, segundo os vizinhos, Bernardo pulava o portão de dois metros de altura para entrar.
“O Bê era nosso filho do coração”, diz Juçara Petry, 54, emocionada. “Deus colocou ele na nossa vida para nos ensinar algo.” A família recebeu a Folha de S.Paulo na sala reservada de sua confecção de roupas, onde o menino ia diariamente.
A relação começou quando a mãe de Bernardo, Odileine Uglioni, ainda era viva ela se suicidou em 2010.
A mulher levava o menino para compras na loja e, com o tempo, ele foi voltando.
“Nos últimos quatro anos, ele saía da escola e vinha para cá. Depois, a gente levava o Bernardo na casa dele”, diz Juçara, a quem o menino entregava os desenhos do dia das mães que fazia na escola.
Notas
Aos Petry, Bernardo mostrava as notas, quase sempre medianas. Todos os dias, quando voltava da aula, tinha de preencher uma tabela de tabuada, seu ponto fraco.
“Eu cobrava dele como os meus próprios filhos, até o jeito de sentar na mesa”, diz Carlos Petry, 51. O vínculo com a família chegou ao ponto de o menino cogitá-los como pais adotivos, função que já realizavam parte do tempo.
O casal, evangélico, substituiu o pai de Bernardo na primeira comunhão do garoto. “O Bê disse que não iria porque o pai não estaria presente, e que não tinha roupa de festa. Aí falamos: ‘Nós vamos contigo'”, lembra Petry.
“Minha esposa comprou roupa, fizemos uma festa e vieram mais de 50 pessoas.”
No Facebook do menino, a maioria das fotos é da família que adotou. A última delas é na primeira comunhão, em 4 de novembro de 2013.
Apenas uma mostra o pai e a madrasta. Os dois sorriem na imagem, sem Bernardo.
Apesar da ausência, o menino não costumava falar mal do pai. “Ele repetia que o pai estava ocupado salvando vidas e nunca falou uma vírgula mal dele”, diz Juçara.
Bernardo estava desaparecido havia dez dias antes de a polícia encontrar o corpo.
A localização foi informada pela amiga de Graciele, a assistente social Edelvânia Wirganovicz, 40, também presa. Ela teria confessado o crime, segundo a polícia.
Quando chegou a notícia do sumiço, eram os Petry que a população da cidade procurava. “A gente viu no celular muitas chamadas dizendo que o Bê estava sumido. Começamos a procurar por todo lado”, conta Juçara.
Até o último momento, achavam que encontrariam Bernardo vivo. “A gente sentiu muita impotência quando soube [da morte]”, diz Juçara. “Todos nós fomos enganados”, completa o marido.