Todos nós que somos mães e pais já ouvimos o tal ensinamento de que os filhos não são para nós, mas sim, para a vida. Fato tão real quanto a certeza da morte. Contudo, quando chega a hora, que não sabemos precisamente qual é, os filhos seguem seu próprio caminho é como se houvesse o corte do cordão umbilical invisível. Às vezes a mudança é na mesma cidade. Dessa forma almoços de domingo tornam-se quase obrigatórios, mais ainda quando moravam no quarto ao lado do nosso. Por outras, vão viver numa cidade do mesmo estado ou de outra região. Porém, há muitos que vão para oceanos de distância.

Mara e Flávia estão separadas por 9.431,6 mil quilômetros há dois anos e quatro meses. A jornalista Mara Cristine Vitorino, de recentes 44 anos, doutoranda, mora em Cascavel, enquanto Flávia Vitorino Riepenhoff, de 23 anos, mãe fresca e estudante, vive em Düsseldorf, na Alemanha.

Com menos de 20 anos de diferença, ambas compartilham uma história de amor de mãe e filha, que às vezes parecem irmãs. Como toda história de amor, elas passaram por momentos difíceis, conturbados, incompreendidos, mas o carinho sempre as permeou. Agora as duas vivem certa expectativa, sem aparente euforia para evitar decepções, de se reencontrarem em 2015. Mara pretende viajar para Europa com seu filho mais novo e conhecer a netinha alemã. Flávia diz que sente arrepios só em pensar no reencontro.

A reação quando se separaram – Senti que tinha que deixar o ninho. Apesar de eu ter saído de casa aos 18 anos, tínhamos uma relação bem próxima. Nos víamos quase todos os dias. Eu avisei minha mãe quando já estava com quase tudo preparado. Lembro que ela não gostou não. Achou a ideia sem pé nem cabeça, descreveu Flávia. Mara, que imaginei me contando com sua voz suave, mas firme quando precisa ser mais incisiva.

Um dia ela chegou para mim e disse que iria embora para Alemanha com visto de estudante. Achei uma loucura, fui contra e já naquele momento comecei a chorar. Eu não acompanhei nada, não fiz nada, fiquei estática, porque ali senti que minha filha seria arrancada de mim, me senti aquela mãe adolescente, que perde seu bebê. Eu amo minha filha imensamente e temos uma relação de muito amor. Mas depois que ela foi, aos poucos a dor foi amenizando e fui aprendendo que os nossos filhos não são nossos, eles são produtos de suas escolhas.

Como é a comunicação e as mudanças da distância – Com tantas ferramentas para se comunicar, parece inconcebível não manter contato nos dias de hoje. Mas, será que é isso que acontece? Mara considera a filha inconstante nesse contato, entretanto tem consciência da série de mudanças ocorridas com ela, novo país, casamento e maternidade. Na distância, muitas coisas esfriam. Tínhamos o culto de tomar café ou chá juntas, de fazer passeios, de conversar sobre tanta coisa, arte, poesia, música, filosofia, além de fazer fofocas bobas. Nós tínhamos o mesmo gosto pra roupas e parecíamos duas irmãs brigando, porque ela usou um vestido antes de mim. Foi mais difícil quando ela decidiu ser mãe, esposa, ter uma família alemã, quase pirei e eu não pude acompanhar nada, ver nada, ver minha neta nascer, minha filha grávida. Aquilo foi para mim um golpe do destino, mas a vida não foi muito linear para mim e hoje aprendi a lidar com a distância, mas a saudade dói.  Flávia diz que a comunicação é de fases. Quando está tudo bem não conversamos muito. A gente se escreve quase sempre pelo Facebook, mas bem rapidinho. O telefone sempre é o melhor jeito de conversarmos. Lembro que depois que minha baby nasceu, nos primeiros meses de vida, eu ligava todo o dia. Batia sempre muita deprê aqui era inverno. Foi um período bem tenso e que a ajuda dela foi maravilhosa. Eu colocava a Norah no Sling e ia passear pra gente poder telefonar, porque a pequena dormia. Lembro que eu achava lindo ligar pra ela e no fundo ouvir os passarinhos.

O antes e depois – Depois de dois anos, a filha se vê como a mãe e a mãe vai se ver como avó. A gente tem apenas 19 anos de diferença e isso deixa nossas realidades bem próximas e por isso acho que as vezes somos um pouco como irmãs (risos). E por isso talvez sempre tivemos nossas briguinhas. Mas, depois que eu vim pra Alemanha e principalmente depois que eu virei mãe muita coisa mudou. Eu percebi que tenho muita coisa da minha dela e comecei a achar isso bonito. Várias coisas que eu sempre critiquei nela estão cada vez mais presentes na minha personalidade. Até algumas manias do tipo lamber a ponta do dedo indicador antes de pensar em algo importante. Eu também percebi o quanto ela foi guerreira, por ter sido mãe solteira, no começo da década de 90 em uma cidade conservadora. A cada etapa que eu passo com a Norah eu penso caramba, minha mãe passou por isso sozinha.

Mara é taxativa. A relação mudou. Antes eu tinha perto de mim uma filha adolescente, entrando para a juventude, com seus sonhos, verdades, dúvidas, e tudo era dividido comigo. Agora, ela é uma mulher que tem a sua própria família e eu não sou mais parte desse núcleo. Eu entendo a minha posição e a posição dela. Também tem o Emanuel, irmãozinho dela de sete anos, que há dois não vê a irmã. Tanta coisa aconteceu nesse período e hoje somos duas mulheres em culturas diferentes, com dilemas diferentes, mas ligadas pelo vínculo eterno da maternidade, mas o amor existe, a saudade corta, mas a dor amenizou. No inicio parecia que eu ia sucumbir, mas sobrevivi. E espero ficar assim para pegar minha neta no colo. Ela nasceu em outubro e chama-se Norah Sofia. Eu fiquei sabendo pelo telefone, era 7 h de lá (acredito), eu gritei do lado de cá da linha. Tudo é muito louco, mas esta é nossa história, não temos outra para contar. Não é o fim é a pausa!

Ronise Vilela é jornalista por opção e mãe por natureza. Sugestões podem ser enviadas pelo e-mail [email protected]