Sucessor indicado pelo Generalíssimo Francisco Franco e empossado em novembro de 1945, dois dias após a morte por causas naturais do ditador que ao longo de três décadas comandara a Espanha, Juan Carlos I reinou até abdicar do trono 39 anos e ½ depois, no último 2 de junho. Felipe VI de Borbón assume, aos 45 anos de idade, um legado quase tão desafiador quanto o do pai que – nascido na Itália e criado em Portugal – à sua época teve a missão de transformar o país em uma democracia, ao lado de Sofia, a confiável e reservada aristocrata vinda da Grécia. Agora a nova rainha é Letícia, uma tranqüila e plebéia divorciada, ex-âncora de TV e com um aborto feito numa época em que a prática era proibida. O país tem uma longa tradição monárquica, mas viveu dois períodos republicanos exemplares, um em 1873 e 1874, outro mais recente, de 1931 a 1939, derrubado por Franco na sangrenta guerra civil espanhola que deixou mais de meio milhão de vítimas.

O legado da crise econômica que se estendeu de 2008 a 2012, são os atuais 6 milhões de desempregados (26% da população ativa), mas este não é o único problema da nova Coroa. Talvez o maior deles seja manter a unidade nacional. A federação espanhola divide-se em 17 Comunidades (estados) Autônomas e duas delas – Catalunha (a mais rica, onde está Barcelona) e o País Basco – forçam a separação. O plebiscito catalão está marcado para 9 de novembro próximo. Em Bilbao, o ETA, sigla do movimento Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) em outubro de 2011 decidiu pelo fim definitivo da luta armada, mas reafirmou o direito basco à independência. A grande discordância não é sobre o conteúdo democrático do regime e sim sobre a sua forma.

Os espanhóis discutem se desejam uma monarquia como a sueca, uma república como a síria ou continuam com sua atual estrutura de um país europeu normal, uma democracia parlamentar cujo atual presidente (equivale ao posto de primeiro-ministro) é Mariano Rajoy do PP – Partido Popular, conservador. O cenário político não é favorável a qualquer dos partidos tradicionais. Nas últimas eleições nacionais, três anos atrás, o PP e o PSOE (centro-esquerda), 1º e 2º colocados, obtiveram os votos de apenas 53% dos eleitores. Quase todo mundo quer formar um novo Partido, local ou nacional. Desde que os Indignados levaram 8 milhões de pessoas às ruas entre maio e dezembro de 2011, a cada dois dias um novo agrupamento pede sua inscrição à corte eleitoral. O recém criado Podemos, que propõe nacionalizar os bancos, devolver ao sistema público os hospitais privatizados, reduzir os gastos militares, acaba de obter cinco cadeiras no Parlamento Europeu agora renovado.

A questão migratória é outra preocupação sempre latente. Os 197 mil estrangeiros que viviam na Espanha em 2008 transformaram-se nos 5,7 milhões de hoje. A maioria é do leste europeu, mas 19% vêm da África do Norte e subsaariana, forçando continuamente as barreiras em Celta e Melilla onde, além das profundas valas divisórias, malhas antitrepa (redes metálicas para impedir os invasores de segurar e escalar) e a soldadesca lutam dia e noite contra hordas de invasores que fluem via Marrocos.

Juan Carlos só ganhou o respeito dos súditos quando em 1981 impediu o golpe de estado orquestrado pelo Tenente-Coronel Antonio Tejero. Depois viu a Espanha consolidar-se economicamente ao ponto de se tornar o segundo maior investidor na América Latina, região que visitou inúmeras vezes. Numa delas, durante Cúpula iberoamericana em Santiago do Chile, irritado com Hugo Chávez que não cessava de interromper o discurso do então primeiro-ministro José Zapatero, gritou-lhe o famoso Por qué no te callas?. Felipe VI, cuja posse ocorre em 19 de junho, não tem carisma. É visto como um homem discreto, sério e bem preparado, sem participação nos escândalos em que se envolveram o genro do rei e outros membros da família real. A aposta é de que será um Rei bem mais profissional, ou seja, exatamente aquilo de que a Espanha atualmente mais necessita.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
(www.mundoseculoxxi.com.br)