Marina Silva é praticamente o nome certo do PSB para seguir a campanha à Presidência da República. Transmitindo opiniões fortes sobre várias questões, defende a possibilidade de fazer política de uma forma diferente. Por diferente, entenda-se a organização de um possível governo seu em torno de partidos engajados em um projeto e não que estejam interessados apenas em fazer parte do governo em nome de outros benefícios. Ou seja, o argumento da coalizão ampla em nome da governabilidade seria testado. Este é um exemplo fundamental sobre a sua disposição a manter sua posição, ainda que uma forte oposição a suas ideias surja. Como em diversas outras questões sobre as quais possui posições claras, ela precisará mostrar o grau de pragmatismo que está disposta a adotar para vencer estas eleições. Com relação à governabilidade, será possível não entrar no toma lá, dá cá tão praticado ultimamente?

A primeira vista, a resposta é não. O grande argumento utilizado para que o presidente forme uma coalizão ampla, implicando em dividir os ministérios e secretarias com os partidos da base aliada, é a garantia de uma maioria estável no Congresso Nacional. Em um sistema multipartidário como o brasileiro, em que os deputados são eleitos pelos estados e em que é adotada a lista aberta, o Congresso Nacional se torna altamente fragmentado. Em 2010, o número atinge elevadíssimos 11,6 partidos efetivos. É o maior número da série brasileira e certamente um dos mais altos do mundo. Sendo bastante simplista, isto significa que cada um destes partidos possui, em média, somente 8,6% (ou 1/11,6) do Congresso Nacional – O PT, o maior deles em 2010, possuía algo em torno de 18%. A atração de partidos para a base governista é assim justificada para que o presidente possa propor seus projetos ao Congresso Nacional e obter aprovação.
Teoricamente, este argumento encontra apoio em uma longa discussão sobre a organização do sistema presidencial. Em contraposição ao sistema parlamentarista, o Presidente não possuiria automaticamente maioria no Congresso Nacional. Ele precisaria formar esta maioria para que a governabilidade fosse alcançada, contrastando com a forma como os parlamentos europeus se constituem. A possibilidade de atrito entre Executivo e Legislativo seria latente no Presidencialismo, e em um sistema multipartidário, tanto pior. A ciência política suportou esta visão durante um período importante e é de onde partem os argumentos para uma Reforma Política no Brasil. Entretanto, o entendimento atual sobre a organização do presidencialismo no Brasil, o Presidencialismo de coalizão, não vê a relação entre presidente e Congresso como naturalmente conflitiva. Os instrumentos institucionais a disposição do presidente, como medidas provisórias e poder de veto sobre leis aprovadas, por exemplo, dão a ele maneiras de superar o conflito latente e governar. Ou seja, a relação entre Executivo e Legislativo pode ser mais harmônica, de acordo com os mecanismos institucionais a disposição do presidente.

Tudo isto nos leva a entender que um governo naturalmente minoritário seria possível. E, aliás, não só em tese. Em um estudo publicado em 2012, Argelina Figueiredo, Julio Canello e Marcelo Vieira mostram que governos minoritários na América Latina não são raros. Ao contrário, seus dados apontam que em quase 48% dos anos considerados dentre os 14 países avaliados o governo era minoritário. A questão é que no Brasil isso é claramente a exceção. O estudo considera o período entre 1989 e 2011 e encontra governos minoritários em apenas cinco anos. Neste sentido, o que Marina prega é uma novidade no país.

Mas será viável um governo minoritário no Brasil? É impossível prever. O que se pode dizer é que Collor não possuía maioria no Congresso e certamente não é um caso a ser seguido. De outra parte, o presidente no Brasil é um dos mais fortes do mundo, possuindo um conjunto de ferramentas que possibilitaria a implementação de sua agenda, ainda que haja atritos. A pergunta que se coloca é se estas ferramentas são suficientes para que um presidente abra mão de maioria no Congresso desde o início de seu mandato. É um risco considerável. Na dúvida, é muito importante que o eleitor de Marina vote nos candidatos a deputado do PSB. Muito.

Glauco Peres da Silva é economista, pesquisador e palestrante, formado pela USP, tem doutorado em Administração Pública e Governo pela FGV-SP, com estágio doutoral no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Foi coordenador de graduação dos cursos de Economia e Relações Internacionais da FECAP por sete anos. Atualmente, é professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo