DIANA BRITO RIO DE JANEIRO, RJ – Recém-chegado de Serra Leoa, na África, o médico carioca Paulo Reis, 42, afirmou nesta quinta (21) em entrevista coletiva à imprensa que o risco de importação da doença existe. Segundo a OMS, a epidemia do ebola que atinge quatro países africanos já matou 1.350 pessoas, 374 só em Serra Leoa. Reis disse acreditar, porém, que não seria um problema grave de saúde pública como nos países africanos devido aos diferentes hábitos culturais.

“O risco de ter um caso importado sempre existe. Entretanto, mesmo que acontecesse não seria, na minha opinião, um problema mais sério de saúde pública. Os hábitos culturais do brasileiro, a forma como a gente encara a doença, é muito diferente daquela região da África. Então, certamente se houvesse algum caso hipotético, importado, seria controlado rapidamente e não teria um impacto maior”, disse o médico, na sede da ONG Médicos Sem Fronteiras, no Rio de Janeiro.

Reis citou como exemplo de contágio as práticas de enterro dos africanos. “Eles têm muito contato com o corpo do morto e isso ajuda a propagar a doença, coisa que não acontece aqui no Brasil.” “A região em que eu estava era precária. Não tinha rede central de eletricidade, água potável. É claro que em algumas regiões do Brasil a situação é a mesma, mas em termos de ebola o mais importante são os aspectos culturais, o modo como você lida com as pessoas”, acrescentou.

Para sair da África, Reis conta que precisou responder a um questionário e teve a temperatura aferida por especialistas através de um termômetro infravermelho. Ele diz que os sintomas do ebola são muito semelhantes aos da malária, exceto pelo “cansaço excessivo”.

“Dificilmente alguém vai sair do país com a doença. Durante 21 dias eu continuo a ser monitorado e minha temperatura é aferida. Se eu apresentar febre, tenho que entrar em contato com a sede do Médicos Sem Fronteiras. Na minha opinião, esse controle é suficiente”, afirmou.

Como ainda não existe cura para a doença, o médico diz que usa medicamentos de tratamento da malária, drogas que amenizam a dor, vitaminas e muita hidratação para tentar reverter o quadro do doente. Com o tratamento adequado, a melhora do paciente depende do organismo dele. O médico não falou sobre nenhum procedimento de segurança ao chegar ao Brasil.

A reportagem apurou que apenas discretos avisos sonoros têm sido emitidos em aeroportos brasileiros como no Tom Jobim (Galeão), no Rio.

MITO

Desde 2005 atuando nos Médicos Sem Fronteiras, Reis trabalha com contaminados com ebola desde 2012. Passou dois meses na Guiné, de março a maio, e um mês em Serra Leoa, de julho ao início de agosto. Agora, pretende retornar na próxima semana pela terceira vez a um dos países com surto da doença. Para o médico, é a cultura que afasta muitos infectados do tratamento. Ele diz que muita gente acha que é mito e nem acredita que a doença existe.

“Já teve casos de atacarem pedras no carro dos médicos e de criança sair correndo para o mato quando via a gente”, lembrou.

Reis afirma que a mortalidade girava em torno de 70% quando deixou Serra Leoa. Ele disse que viu pelo menos 70 pessoas morrerem com a doença, mas lembrou dos que se salvaram também. “Depois do resultado negativo da doença, faço questão de apertar a mão deles para mostrar que não têm mais nada”, contou, orgulhoso.

Certo das formas de transmissão da doença, Paulo Reis não teme ser contaminado. Ele diz que segue um ritual de cuidados com equipamentos de proteção, como uma roupa impermeável que cobre todo o corpo para entrar no centro de tratamento de ebola. “Quando você tem conhecimento do problema e possui mecanismos para se proteger, não considero mais arriscado do que andar no trânsito do Rio de Janeiro, por exemplo. A gente tem uma visão bem clara e os pacientes infectados ficam em isolamento. A vestimenta é quase toda descartada –como máscara, luvas, sobretudo– e incinerada depois de usada. Somente a bota, o avental de borracha e óculos vão para o cloro”, afirmou.

Com uma carga horária que chega a até 13 horas, Reis afirma que equipes que atendem os doentes com o vírus naquela região estão sobrecarregados. Com um salário que varia de 900 a 2.500 euros, os profissionais se dividem em turnos com cinco médicos e oito enfermeiros.

“Falta recursos humanos, médicos, equipamentos, água, saneamento, equipes de rastreamento de pessoas que tiveram contato com os contaminados. Falta logística para organizar toda a equipe de forma rápida e eficaz. É uma emergência internacional, que precisa de mobilização maior”, afirmou. “Esse surto pode ser contido se houver recursos necessários realocados”, acrescentou.