Depois de conferir peça por peça a exposição Brinquedos à mão, em cartaz na Caixa Cultural Curitiba, Thiago Bealpino Santos de Lima, de 6 anos, elege os barquinhos indígenas como as suas favoritas. Mas também adorei os Mamulengos, diz, já usando o termo que aprendeu ali para se referir aos fantoches típicos de Pernambuco. Os mais de 900 brinquedos da coleção da professora de música e pesquisadora baiana Sálua Chéquer foram feitos à mão por artesãos de diversas cidades do Nordeste, com materiais acessíveis como barro, pedaços de pau e de pano, latas de óleo e caixas de papelão.

Os visitantes se encantam ao saber que ainda existe essa produção artesanal de brinquedos, conta Sálua. O adulto rememora e a criança tem vontade de pegar. Todo mundo se diverte, garante a dona das peças. A mostra traz desde brinquedos mais conhecidos, como peteca, corda de pular feita de sisal e pião, a peças que representam cenas do cotidiano e remetem ao trabalho no interior, como pequenos moedores de cana-de-açúcar, carros de boi e moinhos de água. Estes últimos foram feitos por um menino de 12 anos, que hoje já deve estar um moço, em um lugar chamado Pintadas, no sertão da Bahia, lembra.

Acompanhado pela mãe, Andréia Bealpino, de 37 anos, Thiago avista dois brinquedos conhecidos: um caminhão de madeira e um cavalo de balanço. Minha família era de marceneiros e eu mantive alguns brinquedos comigo, conta Andréia. Estudante de educação física, ela trouxe o filho para se divertir e aproveitou para conhecer parlendas e brincadeiras que servirão para o seu futuro trabalho como professora

SERVIÇO
O quê: Brinquedos à mão — Coleção Sálua Chéquer
Onde: Caixa Cultural  (R. Conselheiro Laurindo, 28o)
Quando: Até 7 de setembro
Mais informações: 41 2118-5114


UM REFLEXO DA CULTURA POPULAR
A paixão de Sálua pelos brinquedos vem do tempo em que, ainda menina em Ibirataia, região cacaueira da Bahia, ia à feira com a mãe comprar panelinhas de barro para fazer comidinhas. À exceção do pai, um libanês avesso à movimentação, ela vivia rodeada de gente festeira. A vó tocava flauta transversal e bandolim. A mãe bordava e enfeitava a casa. Era um tempo sem luz elétrica, em que as crianças tinham prazer em ter medo, ao ouvir histórias sob o luar, porque não havia o que temer de verdade, conta.

Já adulta, apaixonada pela cultura popular brasileira, Sálua passou a viajar pelos recônditos nordestinos para recolher informações sobre parlendas, cantigas, brinquedos e manifestações populares como pesquisadora da área musical. Adorava amanhecer ouvindo os trabalhadores cantando cantigas de amarração de fumo, de casa de farinha, de bata de feijão, lembra. O repertório musical crescia junto com o número de brinquedos que adquiria por onde passava. Nos anos 80, quando comecei a coleção, tinha uns 300. Agora, são 970.

OBJETOS SIMPLES E SOFISTICADOS
Sálua conta que sua admiração pelo universo dos brinquedos populares vem da forma como eles são produzidos pelos artesãos, capazes de criar objetos ao mesmo tempo simples e sofisticados. A maioria me diz que começou a fazer brinquedo por não ter dinheiro para comprar. Eles fazem com muito carinho, e costumam dizer que sua maior recompensa é ver o brinquedo na mão de alguma criança, diz Sálua.

É o caso, por exemplo, da paraibana Dona Lindalva, que criou 14 filhos com o dinheiro da venda de suas bonecas de pano e até hoje, com mais de 70 anos, confecciona suas peças com a ajuda de uma das filhas. Dela, Sálua adquiriu uma boneca que é a própria bonequeira com os filhos no colo, além de peças divertidas, como os bonecos de Michael Jackson e Amy Winehouse.

Guardados num grande armário na sala da casa de Sálua, em Salvador, os brinquedos impressionaram o casal de produtores culturais Vanessa e Marcos Vieira. A casa dela mais parece um museu, conta Vanessa, que foi visitá-la para conversar sobre a Camerata Popular do Recôncavo Baiano, da qual Sálua é uma das integrantes, e acabou com uma autorização para inscrever o projeto da exposição no programa de patrocínio da Caixa Cultural. Dois meses depois, ela me ligou para dizer que o projeto havia sido aprovado. Nunca imaginei que meus brinquedos pudessem se tornar uma exposição, conta Sálua, que já os exibiu em Salvador e, após a temporada em Curitiba, segue para São Paulo.