Todos estão vendo, mas que ninguém ouse apontar. Na realidade o nosso rei é conhecido de todos. Ou não? Existirá alguém que não tenha conhecido ou ouvido falar de alguma pessoa que tenha se matado? Nos meios jovens, não é tão incomum frases como sabe fulano? Pois se jogou do apartamento em que morava!? Nas universidades, muitas turmas convivem com a noção de que alguém não concluirá o curso, não por algum acidente ou doença, mas por uma aparentemente absurda decisão. E, no entanto, principalmente para os que ficam, só tem restado o insuportável silêncio.
Escolas filosóficas e religiões têm oscilado entre a apologia ou a simples condenação. Mas ideias religiosas também mudam, e em muitas das crenças ocidentais, os conhecimentos científicos se encarregaram de fazer estas mudanças, tendo em vista que este ato é o resultado de importantes alterações psicopatológicas que comprometem a capacidade de julgamento do paciente. Mas esta não é ainda a visão do público em geral. Que ainda se mantém negando a nudez do rei. Tudo indica que esta atitude tem origem na ideia de que falar sobre o assunto é dar importância a ele, o que significaria valorizar a atitude. É possível que esta visão tenha sua origem numa época em que o suicídio chegou a ser visto como gesto corajoso, romântico. Mas estes tempos se foram e a impressão que se tem é que o silêncio só tem levado ao sofrimento, ao preconceito e à paralisia nas ações que visam a prevenção.
Pode até ter sido verdadeiro que até recentemente, a ventilação deste comportamento pela imprensa pudesse ser interpretada como uma visão positiva, até um elogio em relação ao ato. É, no entanto, necessário que a população tenha consciência do atual enfoque que a ciência tem. E os dados que a suicidologia traz, nos mostra que muito pelo contrário, o que o indivíduo que convive com estas terríveis ideias de auto agressão e auto eliminação mais precisa é de alguém que lhe mostre que tais ideias não são tão incomuns e que quando acompanhadas de planejamento e forte intenção, representam sinais doentios, necessitando tratamento para elas. De nada ajudará a indiferença ou o silêncio.
Neste contexto é importante considerar pelo menos dois aspectos que devemos apreender: o primeiro é que pela própria natureza da questão, não é possível tratar o suicídio, pois ele é definitivo, para horror das pessoas que estão ao redor do paciente; só é possível um trabalho de prevenção a partir do conhecimento e eliminação dos fatores que o favorecem. Entre estes, podemos apontar o fato do indivíduo sofrer de depressão, viver só, ter vivenciado, em um passado recente, situações percebidas por ele como traumáticas, independentemente da visão de outros, inclusive terapeutas, uso de bebidas alcoólicas ou drogas, ter feito no passado tentativas de suicídio e etc. O segundo, e de suma importância, é a existência de um antecedente familiar.
Considerando-se o dito, fica evidente o mal que o silêncio a respeito do assunto faz para os outros membros, próximos ou distantes da família, pois não é raro ver que os interessados não sabiam nada sobre este aspecto. Os dados estatísticos apontam a uma incidência crescente do suicídio de maneira geral, entre adolescentes e idosos em especial. Assim, é possível entender a preocupação da Organização Mundial da Saúde no sentido de alertar a população a respeito.
No entanto, se não bastassem os dados estatísticos, poderíamos ter em mente a preocupação que a ciência, nas suas várias manifestações, tem apresentado a respeito do assunto. Já no século XIX, foi este o assunto que deu origem a ciência da Sociologia, a partir da obra de seu fundador, Emil Durkheim O Suicídio. E na literatura é comum encontrar o assunto permeando os personagens de obras literárias e filosóficas, levando um autor com Albert Camus, em seu O Mito de Sísifo à conclusão de que só existe uma grande questão filosófica que é o suicídio, ou seja, a decisão de continuar ou não vivendo. Por mais que seja compreensível esta frase, na medicina podemos ser mais categóricos: a simples ideia é patológica, na medida em que se opõe a um instinto básico, o da sobrevivência.

Élio Luiz Mauer é psiquiatra e diretor técnico da Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida