O ambiente do segundo turno das eleições à Presidência da República vem reprisando os episódios ocorridos no primeiro, notabilizado quase que exclusivamente por esforços de desmanches de biografias e feitura de rasteiros ataques pessoais por parte da candidata da situação. Ainda assim, é possível denotar o acirramento do cotejo dos distintos diagnósticos do atual quadro econômico do País e das respectivas ideias para aperfeiçoamentos ou guinadas de rotas, apresentadas por Aécio Neves, do PSDB, e Dilma Rousseff, do PT, algo que não se presenciava desde 2002, quando da disputa entre Serra e Lula, com o envolvimento direto das principais escolas de economia do País.

No campo da interpretação do curso da conjuntura, o staff de Dilma justifica as eventuais dificuldades enfrentadas pela nação e a estagnação dos negócios, apontando para fora e mostrando a lenta e desigual recuperação da economia mundial, caracterizada por moderada reação dos Estados Unidos (EUA), recessão europeia, estagnação japonesa e desaceleração chinesa, com desdobramentos cadentes nas cotações das matérias-primas.

Por essa visão, a postura ativa das autoridades de Brasília teria servido para amortecer os efeitos da crise exógena no espaço doméstico, através dos estímulos à geração de milhões de empregos com carteira assinada, da valorização do salário mínimo, dos ganhos reais de rendimentos do trabalho e do alargamento da concessão de crédito, que constituiriam as sementes para o ingresso da nação em um ciclo sustentado de crescimento.

Na avaliação do time de Aécio, o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 1,6% a.a., no período 2011-2014, menos da metade do mundial, que subiu 3,5% a.a., e um terço dos mercados emergentes (incluindo vários sul-americanos), que observou acréscimo de 5,1% a.a., retratando a terceira pior performance da história, empatando com a década perdida dos anos de 1980. Mesmo assim, a inflação gira acima do teto da meta de 6,5% ao ano, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Pela leitura do PSDB, a estagflação, representada por alta da inflação e queda do PIB, teria como causa primária as barbeiragens na gestão econômica e não a retração global. Mais que isso, reproduziria opções equivocadas de elevação dos dispêndios públicos correntes, para alavancar a demanda, sem a imprescindível atenção com a ampliação da oferta, procedimento encoberto pela contabilidade criativa adotada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

As sumárias propostas de diretrizes, lançadas pela equipe de Dilma, em lugar de um abrangente plano de governo – que, até aqui, se resumiu à peça orçamentária para 2015 –, desenham o aprofundamento de um modelo que estaria dando certo, na direção da montagem dos alicerces para um novo estágio de expansão, cujas ferramentas seriam a política industrial vertical, a indexação do salário mínimo e as inversões em capital social básico, com a intensificação do intervencionismo estatal, o que levaria o mercado a um rumo definido pela aliança hegemônica de poder.

Esse processo estaria ancorado também no revigoramento do mercado interno, factível com a obtenção do reequilíbrio macroeconômico, conquistado com a convergência gradual da inflação para o centro da meta de 4,5% a.a., em três anos, e o resgate dos saldos fiscais primários equivalentes a 2% do PIB, o que asseguraria a preservação das ações compensatórias de inclusão social. Recorde-se que essas tarefas foram abandonadas a partir de 2008 e substituídas pelo relaxamento fiscal e monetário, em contraposição à austeridade praticada pelo Banco Central, via juros.

O grupo insiste ainda no alargamento da posição de liderança exercida pelas instituições financeiras públicas na concessão de crédito, abocanhando espaços que poderiam ser preenchidos pelo segmento financeiro privado ou por um saudável mercado de capitais.

Na plataforma dos tucanos, percebe-se a defesa do sepultamento da nova matriz econômica – em implantação desde 2011 e centrada em desonerações tributárias seletivas, subsídios monetários, represamento dos preços administrados e proteção tarifária contra as importações – e o retorno do tripé baseado em câmbio flutuante, metas de inflação e superávits primários, na busca do centro da meta de inflação e posterior alteração do paradigma benevolente (com alvo e faixas de variação bastante elásticos), e da elevação da taxa de investimento de 18,1% do PIB, em 2013, para 24% do PIB, em 2018.
Aliás, a formação bruta de capital fixo caiu de 20% do PIB, entre julho e setembro de 2011, para 16,5% do PIB, no segundo trimestre de 2014, apesar dos polpudos financiamentos das agências públicas e das sucessivas renúncias tributárias em favor de ramos escolhidos por critérios pouco transparentes.

Tais objetivos seriam viabilizados por um choque de confiança, composto pelo realinhamento gradual da estrutura de preços relativos; a independência operacional do Banco Central; o alcance de superávits fiscais primários superiores a 3% do PIB, com transparência na gestão, suficientes para evitar a expansão não explosiva da dívida pública; a depreciação competitiva e não inflacionária do câmbio flutuante; e a redução da participação estatal em áreas adequadas à operação do setor privado, com arregimentação de recursos principalmente para os empreendimentos infraestruturais, organizados na forma de parcerias público-privadas (PPPs).

Igualmente destacáveis seriam o restabelecimento gradual do programa de abertura comercial e liberalização financeira; a revisão criteriosa da atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), propensa à designação a priori dos ganhadores; a determinação de critérios de correção do salário mínimo, tecnicamente defensáveis, agregando inflação e produtividade; a elaboração e execução de uma política industrial horizontal, focada na multiplicação da eficiência microeconômica por exposição e competição no front internacional; e a revisão do pacto federativo, buscando a convergência de interesses entre as três instâncias (união, estados e municípios) e compromissos com o ajuste fiscal.

Por certo, o Brasil contabilizou avanços consideráveis na área social na última década, tirando proveito do bônus externo, formado pela bolha imobiliária dos EUA e a valorização dos termos de troca – com a disparada das cotações das commodities, puxada pela demanda chinesa – e da maturação de um conjunto de mudanças institucionais, introduzido nos anos 1990, também beneficiado pela desinflação e o cumprimento do contrato social contido na Carta Magna de 1988.

O contrato foi selado por meio da criação dos programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação, em 2001, e Auxílio Gás, em 2002. Estes, agregados ao programa Fome Zero e transformados em Bolsa Família, em 2003, baseados no Cadastro Único para Programas Sociais (Cadúnico), constituíram as referências para as empreitadas sociais do governo.
No entanto, as irresponsabilidades macroeconômicas, cometidas desde setembro de 2008, maximizadas a partir de 2011, e que resultaram em substanciais aumentos do déficit externo, do desequilíbrio das contas públicas e da inflação, mesmo com o breque nas tarifas de energia e nos preços dos combustíveis (ajudado pela redução do preço do petróleo no exterior), vêm emitindo pesada fatura. Esta é confirmada pela reversão da trajetória de queda da desigualdade de renda e da extrema pobreza no País, entre 2011 e 2013, em consequência da fragilização do mercado de trabalho, depois de ter acusado pronunciadas reduções desde 1994, segundo inferências feitas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

O Brasil carece da reconstrução urgente de uma atmosfera conjuntural propícia à derrubada do pessimismo e à retomada da confiança dos atores sociais, essencial para a negociação política da segunda geração das reformas estruturais, requerida para a compressão de custos e o acréscimo da produtividade do aparelho produtivo instalado em território nacional e sua integração às modernas e complexas cadeias globais de produção.

O plano geral do atual governo rechaça veementemente essa pauta, optando por sugerir a permuta de carne por ovo. Já, a frente oposicionista a abraça, manifestando o retorno do núcleo da lógica do crescimento econômico, antecedido pelo investimento, suficiente para ensejar o aprofundamento da inclusão e mobilidade social, não apenas pela transferência de renda, mas pela ascensão oportunizada pela vertente educacional, particularmente na qualificação do fator trabalho, cada vez mais escasso, em linha com o gradativo fechamento da janela demográfica.

 

Gilmer Mendes Lourença é economista, diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e professor da FAE Centro Universitário