MARCELO NINIO
PEQUIM, CHINA – Em meio à maior campanha contra a corrupção de sua história, a China deu início nesta segunda-feira (20) à principal reunião anual do Partido Comunista, com a promessa de fortalecer o Estado de direito.
A mídia estatal tem enfatizado a necessidade de tornar a Justiça do país mais transparente e reduzir a influência dos governos locais nas cortes, mas analistas estão céticos sobre as chances de mudanças significativas.
No ano passado, a abertura da economia dominou a reunião e amplas reformas foram anunciadas para ampliar o papel do mercado, porém o ritmo de sua implementação até agora tem decepcionado os que esperavam resultados mais rápidos.
A sessão plenária do Comitê Central do PC reúne durante quatro dias a cúpula do maior partido do mundo, com 90 milhões de membros. A portas fechadas em um hotel de Pequim, 370 delegados sob o comando do secretário-geral, Xi Jinping.
Entre as decisões esperadas entre os observadores estão a criação de uma superagência anticorrupção, o fortalecimento do Parlamento, que tem papel meramente cerimonial e a reforma do comitê de assuntos políticos e legais do partido, antes comandado pelo ex-todo poderoso Zhou Yongkang.
Especula-se também que poderia ser anunciada um desfecho sobre o destino de Zhou, personagem do mais falado caso de corrupção do momento.
Em agosto, após meses de especulações, foi anunciada uma investigação formal contra ele, rompendo a regra tácita que mantinha intocáveis os ex-membros do Comitê Permanente do Partido Comunista, órgão político máximo da China.
Embora o governo tenha martelado a intenção de revigorar o sistema judiciário, ninguém espera que isso enfraqueça o poder do PC, ao contrário. Desde que assumiu a liderança do partido, no fim de 2012, Xi Jinping colocou no topo da agenda a luta contra a corrupção, que muitos veem como uma forma de afastar rivais.
Segundo a imprensa estatal, milhares de autoridades já foram investigadas.
“O Estado de direito, segundo a interpretação do partido, é a ideia de que ninguém está acima da lei. Mas ela está muito longe do conceito ocidental de independência entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Na China, todas as agências respondem ao partido”, observou o jornal “South China Morning Post”, de Hong Kong.
A plenária do PC ocorre num momento de turbulência na região autônoma de Hong Kong, onde ativistas protestam pelo direito de ter eleições livres. Pequim considera essas manifestações ilegais.
Outro tema sensível é o da livre concorrência na economia. Nos últimos meses, várias investigações antitruste atingiram multinacionais que atuam no país, gerando protestos de que a ação é discriminatória e a aplicação da lei antimonopólio, pouco transparente.
Em artigo publicado no jornal do partido, “Diário do Povo”, o professor de direito Li Shuguang, ressaltou a importância de um sistema judiciário confiável para que a economia continue a crescer.
“A proteção da propriedade intelectual e dos contratos é uma precondição para o desenvolvimento e o crescimento”, escreveu Li, acrescentando que o sistema atual tem deixado muitas brechas para abuso de poder por parte do governo.
Abusos das autoridades foram o tema da carta aberta enviada pela organização Human Rights Watch a Xi Jinping, em que acusa o governo de usar métodos extrajudiciais em sua campanha contra a corrupção e para calar opositores.
“As ações do último ano sob sua liderança demonstram um profundo desprezo pela lei como instrumento para resolver disputas de forma imparcial”, critica a organização.