Após a deflagração da Operação Lava Jato pela Polícia Federal, neste ano, o instituto da delação premiada ganhou atenção especial dos veículos de comunicação. No final do mês de agosto, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, decidiu relatar ao Ministério Público Federal os esquemas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo a estatal brasileira, movimentando ilegalmente cerca de 10 bilhões de reais.
A Inglaterra, registra-se a título de curiosidade, foi um dos primeiros países a embasar suas decisões em acordos de delação premiada, dando origem a figura do colaborador da justiça. Todavia, foi nos Estados Unidos, na década de 60, que a delação premiada, lá chamada de pleanegotiation, ganhou relevância jurídica. Os mafiosos italianos, moradores da cidade de Corleone e pertencentes a Cosa Nostra, recusavam-se a colaborar com a justiça norte americana, pois temiam represálias por parte daqueles que permaneciam nas ruas. Foi então que surgiu a ideia de oferecer uma recompensa a quem delatasse seu comparsa. Em troca dos testemunhos e a colaboração com a justiça, a corte americana oferecia ao colaborador a redução de pena, ou até mesmo a extinção de sua ponibilidade.
Atualmente, a delação premiada é considerada um poderoso instrumento no combate aos crimes e às organizações criminosas, pois o colaborador, além de confessar seu próprio delito, auxilia a polícia e a justiça a angariar novas provas, possibilitando, desta forma, o desmantelamento da quadrilha e a prisão dos infratores. Entrementes, a delação premiada, como abordada nos dias de hoje, revela-se uma faceta contraditória com os sistemas democráticos: a justiça negociada.
Não só por institucionalizar a traição, positivando-a em Lei, a delação premiada ofende, também, a igualdade e a isonomia, princípios fundamentais insculpidos em nossa Constituição Federal, uma vez que agentes que praticam as mesmas condutas possuem penas distintas, pelo simples ato de um delatar o outro. Tal fato tem como decorrência a banalização de crimes, em especial os econômicos, pois agentes de alto escalão, caso colocados em face de ação criminal, pela posição que ocupam, podem apontar dedos a fim de se ver livre de imputações.
Ainda, nos porões da delação, não são raros os casos de blefe dos agentes estatais, tornando o processo penal um verdadeiro jogo, onde o que interessa, em sua essência, não é a busca pelo modo e o tamanho da afronta aos bens juridicamente tutelados, mas tão somente à busca por um responsável específico, não raro alguém de expressão, o que acaba por gerar um espetáculo midiático, causado pelo famigerado furor incriminatório.
Na mesma trilha, qual o verdadeiro valor de prova que deve ter uma delação premiada? Nos dias de hoje, as decisões judiciais são cada vez mais calcadas nas delações premiadas. Não é crível que um corréu queira apenas contar o que aconteceu, atribuindo a ele mesmo porção igual de responsabilidade. O natural, por outro lado, é que um corréu queira atribuir a maior parte de responsabilidade ao outro, até porque, quando dois ou mais corréus tem o mesmo conhecimento do fato criminoso, apenas o primeiro terá direito a delação premiada, o que gera, por conseqüência, a possibilidade (cada vez mais real) de condenações com base na versão de um outro acusado do mesmo crime.
O que deve servir de reflexão é: qual o verdadeiro objetivo da delação premiada? Será que foi o instrumento criado para tampar os buracos deixados pelas falhas de investigação? A traição, ou o depoimento de outro corréu, deve servir como base de condenação? Qual o verdadeiro fim da persecução penal, responsabilizar os agentes ativos de crimes, ou apenas aqueles que não foram malandros ou rápidos o suficiente para delatar um esquema criminoso?

Thiago Ferrari Ribeiro é advogado especialista em direito penal, atuante no escritório Farah, Gomes e Advogados Associados de Florianópolis