LUCAS SAMPAIO
CAMPINAS, SP – Em meio à forte estiagem que atinge o Sudeste do país, Campinas (a 93 km de SP) anunciou nesta quinta-feira (30) que será a primeira cidade do país a usar esgoto tratado para abastecer a população.
A obra está estimada em R$ 12 milhões, será financiada pela concessionária que administra o aeroporto de Viracopos e deve ficar pronta em 18 meses.
Hoje, a Sanasa (empresa mista de água e esgoto do município) despeja o esgoto tratado e transformado em água de reúso pela Epar (Estação Produtora de Água de Reúso) Capivari, que tem 99% de pureza, no rio de mesmo nome. A diferença é que, com a construção de uma adutora de 19 km, a água de reúso será lançada antes do ponto de captação de água.
Na prática, a medida vai melhorar a qualidade da água do rio Capivari, que abastece cerca de 7% da cidade de 1,1 milhão de habitantes.
“É algo inédito, mas totalmente seguro e sem qualquer risco para a população”, afirmou o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), ao anunciar a projeto. “Das águas que são despejadas nos rios, a maioria é muito mais poluída [que a água de reúso]. O grau de pureza é de 99%.”
A Aeroportos Brasil Viracopos, concessionária que administra o sexto maior aeroporto do Brasil, ficará com 10% da água de reúso produzida (a capacidade de produção da Epar é de 360 litros por segundo). Os outros 90% serão despejados no rio, captados na sequência e tratados junto com a água do Capivari.
“Eu vou jogar [a água de reúso] no rio por uma questão psicológica e porque não existe legislação específica no Brasil para tratar direto e oferecer à população”, diz Marco Antônio dos Santos, diretor-técnico da Sanasa. “Nós vamos gastar mais dinheiro fazendo isso, mas é preciso para as pessoas se acostumarem com a ideia.”
“Tenho muita tranquilidade em falar que essa água [de reúso] é muito melhor [que a do rio]”, completou Santos, segundo quem a análise com cloro passou em todos os requisitos da portaria 2.914, que dispõe sobre a qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.
A concessionária terá um desconto na conta de água do aeroporto, que hoje é de aproximadamente R$ 200 mil mensais, mas deve crescer com a expansão do aeroporto.
2ª ESTAÇÃO
Também no prazo de 18 meses, a Sanasa pretende transformar a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto Anhumas) em uma segunda Epar para melhorar a captação da cidade no rio Atibaia (que abastece 93% da população).
O custo para transformar a estação é de R$ 90 milhões, mas ainda não está definido de onde virá o investimento.
A adaptação vai fazer com que os atuais 600 litros por segundo de esgoto tratado que são jogados no ribeirão Anhumas, afluente do Atibaia que deságua a menos de 1 km da captação da Sanasa no rio, sejam transformados em água de reúso e também melhore a qualidade do rio, diminuindo a concentração de poluentes.
Questionado sobre a possibilidade de a população rejeitar a ideia de consumir o esgoto tratado, o prefeito disse que não tem esse temor e que a desinformação deve ser combatida. “Muitas regiões do país dão água para a população de menor qualidade [que a água de reúso], e ainda vamos jogar essa água no rio e fazer o tratamento de novo.”
OUTRAS MEDIDAS
Como resposta à crise de abastecimento que deixou até 50% da população sem água nas torneiras por 11 dias, a Prefeitura de Campinas e a Sanasa anunciaram outras medidas, entre elas a contratação de uma empresa que vai analisar a viabilidade da construção de uma represa com capacidade para manter a população de Campinas abastecida por, no mínimo, 77 dias.
O desabastecimento que atingiu os campineiros teve três principais fatores: altas temperaturas, que aumentaram o consumo da população, baixa vazão dos rios e má qualidade da água, que impedia o tratamento de líquido suficiente para atender a demanda, e baixa capacidade de reservação da Sanasa. Hoje, os reservatórios da empresa são capazes de manter a cidade abastecida por apenas seis horas, caso haja um problema na captação.
Foi anunciado também um programa de pagamento por serviços ambientais a quem preservar nascentes (das 2.500 existentes, 2.000 estão em estado de degradação) e de punição a quem cometer crimes ambientais, a criação de um grupo de trabalho permanente para empreendimentos imobiliários sustentáveis, envolvendo diversas secretarias municipais e entidades civis como o Secovi, o Crea e o Comdema, e o endurecimento na fiscalização de desperdício de água.
“Todas as medidas que estamos tomando são importantes para que não falem que estamos esperando chover”, diz o prefeito, que evitou dizer se no curto prazo a população pode ser novamente afetada pela falta de água nas torneiras. “Nós estamos trabalhando. Agora, a chuva precisa vir, e, se Deus quiser, virá.”