A discussão econômica brasileira, neste final de 2014, tem abastecido a sociedade com comunicações de formulações teóricas, e ensaios de cenários, a respeito do que deveria acontecer para a retomada de um ciclo de expansão sustentada dos negócios, em médio prazo, e o que de fato deve ocorrer, em 2015, à luz da avaliação das chances de equacionamento das formidáveis distorções, acumuladas entre 2008 e 2014, e das respectivas opções técnicas e políticas de solução, a serem negociadas entre governo e demais agentes sociais.

Por certo, o panorama prospectivo desautoriza rompantes de otimismo. Isso porque, no ambiente exógeno, conformam-se barreiras não triviais, traduzidas na tendência de acentuação da queda dos preços das commodities, elevação dos juros nos Estados Unidos, intensificação da desaceleração da economia chinesa, morosa superação da recessão europeia e aprofundamento do caos político e inflacionário na Argentina.

No front doméstico, emerge a desgastante herança maldita do primeiro mandato da presidente Dilma, caracterizada por economia estagnada; flerte da inflação (represada artificialmente com a segurada nos reajustes das tarifas públicas e preços administrados) com o teto da meta, pouco ambiciosa, definida pelo Conselho Monetário Nacional; juros ascendentes; déficit externo recorde; e deterioração monetária e de credibilidade das finanças públicas, com o fechamento do exercício com restos a pagar equivalentes a 2% do produto interno bruto (PIB).

Ademais, aflora a debilidade política da administração reeleita. O diminuto fluxo de confiança manifestado pelos atores produtivos nos ocupantes do Palácio do Planalto resulta em um governo frágil e acuado, forçado pelas circunstâncias adversas, evidenciadas na inquietação dos mercados e das agências de rating, a promover a negação das recentes promessas de campanha e a negociação fisiológica da aprovação da lei de desobrigação de cumprimento da meta fiscal no Congresso Nacional, controlado por um PMDB rebelde. Aliás, o episódio da instituição do calote fiscal reproduziu a aliança da incompetência do Executivo com o clientelismo do Legislativo, expresso no compromisso de liberação de verbas para as emendas dos parlamentares.

Entre os vários cenários políticos disponíveis na praça para 2015, destaca-se a implantação de uma espécie de presidencialismo de coalização, no qual Dilma, no afã de reverter as expectativas desfavoráveis, reprisaria a atitude de Lula, em 2003 (com Palocci, Murilo Portugal e Marcos Lisboa, na Fazenda, Henrique Meirelles, no Banco Central, e Joaquim Levy, no Tesouro). A presidente tentaria comprar credibilidade, com a execução de uma orientação macroeconômica ortodoxa, ancorada na estruturação do ajuste fiscal via, predominantemente, aumento de impostos, e no realinhamento dos preços relativos, aproveitando o panorama de visível enfraquecimento do mercado de trabalho e dos orçamentos domésticos, comprometidos em 46% com o pagamento de prestações, contra 38% em 2010.

Repete-se aqui o comportamento convencional de busca de recomposição do equilíbrio de caixa pelo caminho da elevação da tributação, deixando em segundo plano um arrojado programa de redução de dispêndios, o que demonstra que o efetivo esforço fiscal constitui apenas peça de discurso.

A diferença básica entre a atmosfera pretérita e a presente é que, enquanto Lula sucedia Fernando Henrique Cardoso (FHC), herdando um superávit primário de 3,4% do PIB, Dilma ingressa em seu próprio lugar, depois de ter produzido um déficit fiscal de 0,5% do PIB, excluindo a contabilidade criativa, e nominal (incorporando os juros da dívida) superior a 5% do PIB, e carregando o fardo do Petrolão (Operação Lava-Jato), e seus desdobramentos negativos sobre os investimentos e os programas de concessões de infraestrutura, acrescidos das investigações em realização pela justiça americana.

Nessas condições, apesar de relevante, a anunciada priorização das variáveis conjunturais, sintetizada na arrumação das contas e geração de poupança pública de 1,2% do PIB, destinada à cobertura de parte dos encargos da dívida governamental em 2015, que representa economia de quase R$ 100 bilhões, se considerado o desequilíbrio de 2014, não deve sequer fazer cócegas na inflação, especialmente com a sinalização (comunicação) confusa do Banco Central e o prosseguimento da relação promíscua entre Tesouro Nacional e bancos públicos. É a tentativa de curar ferida braba com o emprego de mertiolate, gaze e esparadrapo.

A reconquista da estabilidade econômica da nação requer a percepção social da aplicação de reformas capazes de encaminhar uma operação desmame das benesses tributárias e creditícias, dirigidas a poucos privilegiados, e desmanchar as armadilhas plantadas pelo ativismo estatal de um presidencialismo de cooptação, com ocupação da função de economista-chefe por Dilma Rousseff, desde 2005.

O papel do Estado esteve ancorado em populismo salarial, intervenções cambiais e controle de preços estratégicos, ocasionando a falência dos segmentos petrolífero e elétrico, a destruição de apreciável fração da indústria e a piora dos indicadores sociais, reacen­dendo a chama da síndrome da renda média do País. O valor atual de mercado da estatal petrolífera corresponde a menos de 20% do registrado em maio de 2008, antes da deflagração da crise financeira internacional.

A título de exemplo, a taxa de poupança (governo, empresas e famílias) caiu de 18,8% do PIB, em 2008, para 14% no terceiro trimestre de 2014, fruto sobretudo da contração dos lucros retidos pelas corporações, a mais importante origem de haveres para a alavancagem dos investimentos no Brasil.

Também não constitui obra do acaso a constatação da entidade Todos pela Educação, a partir de estimativas com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, de que pouco mais de 54% dos jovens encerraram o ciclo do ensino médio com até 19 anos de idade, chegando a 32,4% nas famílias mais pobres, que representam ¼ do total.
Em direção análoga, na avaliação do Pisa, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), efetuada para aferir a capacidade dos estudantes de 15 anos, de 65 nações, de pensar e resolver problemas de maneira autônoma, 65% dos alunos brasileiros não possuíam noções essenciais de matemática, 19% exibiam deficiência em leitura e 54% expunham carência em ciências. Investigação do Instituto Paulo Montenegro, do Ibope, mostra que somente 1/3 dos que concluem o ensino médio são dotados de alfabetização plena (redação, compreensão de texto e matemática elementar).

Por essa ordem de complicadores, parece crucial que o planejamento econômico do País ultrapasse os estreitos limites impostos pela necessidade de ataque aos embaraços conjunturais, e paute o entendimento, reconhecimento e priorização das variáveis portadoras de futuro, especialmente a educação, e retire, por exemplo, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a pecha de um grande projeto imobiliário.

Em tempo: de uma vez por todas, é preciso ficar claro que a parte da população que não sufragou os candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT), e abomina o maior escândalo de corrupção da história brasileira, não está afrontando a democracia. Até porque, mesmo discordando, a maioria deste pedaço da sociedade respeita a posição política daqueles que foram contrários ao plano real e à aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Gilmar Mendes Lourenço é economista, diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e professor da FAE Centro Universitário