Ando pelo supermercado nesta época do ano e olho com carinho para as cestas de Natal e seus nomes pomposos, que tentam transmitir a variedade e qualidade dos produtos que acondicionam. Cesta, pra mim, é uma palavra que sugere surpresa e coisas gostosas. A cesta que Chapeuzinho Vermelho levava para a vovó, as cestas de piquenique e as cestas de café da manhã. A não ser que seja você a organizar o conteúdo, nunca se sabe exatamente o que estará na cesta, e isso me parece bom.

Durante muitos anos, a empresa onde trabalho nos presenteou com cestas de Natal. Hoje recebemos determinado valor depositado em um cartão, que podemos usar em diversos tipos de estabelecimento. Não se pode negar a praticidade para a empresa e, talvez, as pessoas prefiram assim, para que tenham liberdade de comprar o que desejam ou precisam. Sou grata pelo benefício e ele é muito bem-vindo, mas sinto falta das cestas.

Ah – vocês vão falar – a gente pode comprar as coisas que estão na cesta e, talvez, pagar até mais barato. Além de não precisar ficar com a lata de pêssego em calda. E qual a graça de escolher tudo sempre do nosso jeito? Quando a gente tem muita escolha, não tem muita surpresa. Acho que o imprevisível traz mais sentido à vida e nos faz pessoas mais criativas.

Lembro-me de abrir a cesta – que na verdade é uma caixa – e ir tirando dali o tal do pêssego, o panetone, o vidrinho de cereja, o saquinho de frutas cristalizadas. Até a lata daquele horrível composto de óleo de soja e azeite não atrapalhava o encanto pelo ritual. Nas cestas revivi as emoções da infância, quando tudo era novidade, pois nessa fase da vida temos pouco poder de escolha. E, ainda que eu doasse os produtos que não me agradavam – olha um bom efeito colateral – e outros me fizessem alterar as receitas planejadas para o fim de ano, nunca vi nisso um problema. Na verdade, é aí que vejo a criatividade.

Cestas, também, é como são chamados os kits de alimentos orgânicos que encomendei certa vez. Você paga um determinado valor mensal e o fornecedor entrega este kit na sua casa. Só se sabe o que vai vir alguns dias antes da entrega. Preferia nem consultar, para ter o prazer da surpresa. Numa dessas entregas veio um repolho enorme, lindo. Nunca compraria um repolho nas situações em que posso escolher o que levar. Para dar conta dele, tive que pensar em receitas com as quais não estava habituada. A criatividade não é um privilégio das indústrias criativas. Ela também está no cotidiano. Por exemplo, em decidir o cardápio pelo critério de: o que será que está prestes a vencer na geladeira?

Steven Johnson, especialista em inovação, em seu livro De onde vêm as boas ideias, chama isso de possível adjacente, o fato de criar de acordo com as limitações. Engana-se quem pensa que os limites prejudicam a criatividade. Na verdade eles ajudam, direcionam e afiam o nosso potencial criativo. Isso vale tanto para as decisões mais prosaicas, sobre quais pratos cozinhar, até para aquelas de maior efeito social, como a construção de incubadoras com peças de carros e motocicletas de ferro-velho, como exemplifica Johnson.

Acho que a certa dose de inesperado que existe na cesta também acontece com os sebos. Raramente entro neles para procurar uma obra específica. Me interessa saber o que aquele acervo de imponderável terá para me surpreender. E não, não é a mesma coisa que uma livraria. A constituição do mix de produtos – de livros – obedece a lógicas diferentes, ainda que se trate tudo de lógica de mercado.

Hoje é muito fácil ter ou fazer exatamente aquilo que a gente quer e, às vezes, isso é realmente útil. Por outro lado, acho que o não-saber e o não-escolher nos proporcionam momentos muito ricos – e com riscos, evidentemente. Entre especificar aquilo que você quer ganhar de Natal e deixar que a pessoa presenteie com o que ela acha que combina contigo – mesmo que erre absurdamente – qual sua preferência? Eu voto na surpresa. Sem um pouco de acaso, a vida não tem sentido.

 

Adriana Baggio é publicitária, professora do Centro Universitário Internacional Uninter e doutoranda em Comunicação e Semiótica