RUBENS VALENTE BRASÍLIA, DF – Duas orientações enviadas aos procuradores da República de todo o país pela 7ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR (Procuradoria Geral da República) no último dia 10 abriram um novo foco de atrito entre procuradores e delegados da Polícia Federal. Uma das medidas, que são assinadas por três subprocuradores da Câmara que cuida do controle externo da atividade policial e do sistema prisional, determina que os procuradores atuem “pelo não conhecimento” de pedidos formulados por delegados diretamente aos juízes federais para obter medidas cautelares. Alguns dos pedidos do gênero são bloqueios de ativos de investigados e quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico. Na prática, a medida esvazia a iniciativa de delegados de ditarem os rumos da investigação. Caso a orientação seja acolhida, o Ministério Público passará a desautorizar as representações formuladas pelos delegados aos juízes. No texto da orientação, os subprocuradores afirmam que o Ministério Público é “o titular privativo da ação penal pública”. Os delegados dizem que as orientações são inconstitucionais e ilegais, uma vez que o inquérito policial antecede a ação penal e a legislação em vigor abre à polícia a possibilidade de apresentar representação direto ao juiz. O presidente da ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal), Marcos Leôncio Ribeiro, disse que as orientações da 7ª Câmara “são ilegais e ferem a autonomia” da polícia. O Código de Processo Penal prevê, no parágrafo 2º do artigo 282, que as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz “de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”. Também o artigo 311 da mesma lei, no ponto que trata das prisões preventivas, estabelece que “caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”. “O Ministério Público Federal busca erguer um muro entre a Polícia Federal e o Poder Judiciário com a finalidade de transformar-se na ‘Polícia Ministerial’. O MPF quer uma Polícia Federal subjugada e dominada. Um simples braço operacional da vontade ministerial, sem direito a pensar ou discordar. Que somente deve se reportar ao MPF”, disse Ribeiro. A medida da 7ª Câmara pretende estender para todo o país a mesma relação estabelecida entre a PGR e os ministros do STF sobre os casos que tratam de autoridades com foro privilegiado no STF, como parlamentares federais e ministros. Hoje, a PGR combate e desautoriza qualquer representação encaminhada por um delegado a um ministro do STF. A PF menciona o Regimento Interno do STF que garante essa via de acesso. Outra orientação da PGR que despertou polêmica entre os delegados de polícia foi a de que os procuradores da República deverão recorrer de toda decisão judicial “que acolha requerimento de declínio de competência [para processar e julgar] formulado diretamente por autoridade policial”. Segundo a orientação, “não cabe” aos delegados “formular petições diretamente aos magistrados a qualquer título, inclusive para promover declínios de competência”. As duas orientações mencionam “a ausência de capacidade postulatória das autoridades policiais”. OUTRO LADO O coordenador da 7ª Câmara, subprocurador-geral da República Mario Luiz Bonsaglia, disse que as orientações “não têm caráter vinculante”, ou seja, os membros do Ministério Público podem segui-las ou não. As medidas, segundo o procurador, foram decididas após um encontro, em Brasília, com cerca de 80 procuradores da República, que apresentaram propostas para melhorar e agilizar a tramitação dos inquéritos e processos. Segundo Bonsaglia, o principal objetivo das orientações é ganhar tempo e eficiência nas investigações, já que as representações encaminhadas pelos delegados aos juízes depois são submetidas ao Ministério Público. Ele disse que às vezes são perdidos horas e dias com esse modelo de processamento e em muitos casos “horas são preciosas”. A respeito das previsões do Código de Processo Penal, Bonsaglia disse que a lei é da década de 40, “do Estado Novo, da ditadura”, e que a Constituição de 1988 atribuiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial e a capacidade privativa de propor ação penal pública. Indagado sobre como os procuradores devem proceder quando um delegado se dirigir diretamente ao juiz, Bonsaglia afirmou que eles devem dizer ao juiz “que a representação não deve ser conhecida”. Ao mesmo tempo, porém, o procurador poderá encampar, em procedimento próprio, determinados pontos ou a integra do pedido do delegado.