A meritocracia – ou a forma de gestão baseada no mérito individual – é um tema de conflitos dentro das organizações. Por um lado, as pessoas não gostam de ser avaliadas e de ter seu trabalho mensurado ou criticado. Por outro, as organizações que adotam a filosofia meritocrática tendem a ser mais eficientes quando comparadas àquelas influenciadas por poder, nepotismo e favores. No entanto, a organização meritocrática está longe de ser perfeita. Estudos empíricos comprovam que essa modalidade de governança gera uma desigualdade baseada em fatores de gênero, cor e status social como critério de seleção para os cargos de liderança e para os maiores salários. Há perguntas fundamentais que devem ser feitas quando pensamos em questionar a validade do modelo meritocrático: o que é bom e o que é ruim? Quem julga o mérito é objetivo? O funcionário acredita no modelo?

Em primeiro lugar: o que é bom e o que é ruim? Parece uma pergunta óbvia e simplista, mas veja o seguinte caso. Em 2007, E. Stanley O’Neal, então CEO da Merrill Linch, era considerado um gênio, que levou as ações da empresa a serem negociadas a US$ 95. A crise não tardou a chegar e, quando o preço das ações caiu para US$ 59, ele foi demitido. Neste caso, muito valor era dado para resultados de curto prazo e o mérito, por sua vez, era dado para alguns dos mais irresponsáveis, que conseguiam trazer resultados que podiam, todavia, comprometer o futuro da empresa. O que se pode apreender dessa questão? É importante ter objetivos de curto, médio e longo prazo bem definidos, e ter conhecimento explícito do apetite de risco dos acionistas.

Segunda pergunta: quem julga se o mérito é objetivo? A lógica da subjetividade impera no mundo corporativo. Em certa multinacional, encontramos um representante comercial que foi selecionado dentro de um programa específico para talentos. O profissional era fantástico, o melhor vendedor de um time composto por dez funcionários. Porém, o indivíduo recebia o menor bônus de sua equipe. A verdade é que todos os outros profissionais tinham de uma a três décadas de casa. Em suma, relacionamento com o chefe era pessoal. Nosso amigo estava sendo passado para trás e tinha perdido valores significativos em bonificações. O que se pode apreender dessa questão? Meritocracia não funciona quando há pessoalidade, subjetividade ou quando não há isonomia, moralidade, igualdade e legalidade.

Por fim, o funcionário acredita no modelo? Na Universidade Haptuha, em Israel, com aproximadamente 70 mil estudantes, existia um modelo meritocrático clássico. Os melhores professores ganhavam mais; bem mais. Como funcionava? A mesma matéria era ensinada por vários professores. O aluno é quem escolhia com que professor gostaria de estudar, com base nas avaliações dos estudantes dos anos anteriores. Naturalmente, aquele professor mais escolhido ganhava mais, de forma proporcional ao número de alunos inscritos em seu curso. O resultado foi uma greve dos professores, uma vez que a maioria naturalmente não se destacava e ganhava bem menos. Mas este é um caso atípico. Na maioria das empresas não há greve. O que se vê são simplesmente funcionários desmotivados, insatisfeitos e que reprimiram esses sentimentos. O que se pode apreender disso? Se não houver confiança entre os gestores e os subordinados, o modelo meritocrático não funcionará.

Para a implantação de uma política meritocrática em uma empresa, é preciso criar um ambiente, uma cultura e dar as condições para que o indivíduo possa de fato progredir; caso contrário, outros fatores influenciarão nos critérios de seleção. Por exemplo, em uma financeira no Rio de Janeiro, uma das principais gestoras começou como recepcionista e subiu na hierarquia por suas habilidades. Já em uma multinacional americana, uma secretária avançou rapidamente na pirâmide para cargos avançados por ter se casado com um dos diretores da filial. Essas estórias formam o núcleo do ethos da entidade e definiram a camisa que cada indivíduo irá vestir – seja ela a da meritocracia ou não.

 

Daniel Schnaider é consultor de negócios, sócio do SCAI Group. Atua em reestruturação de empresas familiares médias e grandes. Especialista em estratégia, eficiência empresarial, excelência em gestão, tomada de decisão, fundos, fusões e aquisições, reestruturação operacional, novos investimentos, renegociação de dívida e big data