Um dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro que pode sofrer interpretações distorcidas é o Art. 266, segundo o qual quando o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas cumulativamente as penalidades. O objetivo do legislador certamente foi o de evidenciar que mesmo cometidas num mesmo momento, as infrações terão tratamento individualizado e que não haveria qualquer benefício decorrente do fato de terem sido cometidas em concurso. Isso nos parece até bastante lógico quando tratamos de infrações de natureza absolutamente distintas, porém, cometidas de forma simultânea. A exemplo imagine-se que num mesmo momento o infrator está em excesso de velocidade, está falando ao celular, durante a abordagem verifica-se que não estava utilizando o cinto de segurança e para completar apresentava alcoolemia superior ao tolerado. Nesse caso seria indiscutível a aplicabilidade do artigo citado.

Há, porém, situações em que num ato de mesma natureza mais de um fato tipificado como infração esteja sendo cometido, ou que necessariamente seja em decorrência de outro de natureza mais específica, ou seja, uma infração decorre da outra ou ao cometer-se uma estar-se-ia necessariamente cometendo a outra. Nesses casos a aplicabilidade do dispositivo se torna um pouco duvidosa. Um exemplo típico é do condutor que não seja habilitado. Por não ter carteira de habilitação certamente é impossível que esteja portando o documento de habilitação. Há no Código a previsão tanto da falta de habilitação quando de não portar documento de porte obrigatório, que nesse caso a segunda falta é decorrência natural da primeira. Outra situação seria aquela em que o mesmo fato implica no cometimento de mais de uma infração de mesma natureza, como é o caso de dirigir com o braço para fora do veículo, com apenas uma das mãos e ainda com o celular. É possível a pessoa estar incidindo nos três fatos ao mesmo tempo, porém, não nos parece lógica uma autuação individual para cada um dos fatos separadamente considerados. O mesmo ocorreria para o veículo estacionado sobre a faixa de pedestres e que também estaria a menos que cinco metros da esquina, entre outros.

É muito complicado falar em bom senso, até porque aquilo que é bom senso para uns pode não ser para o resto do mundo, mas, o dispositivo ora analisado nos parece ter sentido tão-somente quando consideradas infrações de natureza absolutamente diversas, apesar de cometidas num mesmo momento, não senso lógica sua aplicação quando uma infração necessariamente decorre da outra ou necessariamente ocorre simultaneamente a outra, situações estas em que deve haver prevalência do princípio da especificidade, qual seja, aquela que de forma mais específica tipificar o fato ocorrido, sob pena de se incorrer em bis in idem punindo-se várias vezes o mesmo fato.