O cenário brasileiro de certa forma está cercado de posts e eventos nas redes sociais, até mesmo de discursos de políticos da oposição e aliados, nas últimas semanas acerca de um possível impeachment. Sabemos que impeachment é um mecanismo das democracias presidencialistas e aqui Brasil está previsto na Constituição Federal. Desta forma, se está previsto nas regras democráticas, não é golpe. Diante disso indagamos: A presidente Dilma Rousseff pode sofrer uma proposta de impeachment? Provável é que, se vivêssemos em um país parlamentarista e a presidente fosse a primeira-ministra, já teria caído. Isso mesmo, novas eleições já teriam sido convocadas. Assim, para debelar a crise, que pode ser administrativa, valores e/ou de política, o povo vai às ruas e elege novos dirigentes. Mas, no presidencialismo, aqui no Brasil não é assim, pois a forma daqui, a queda democrática de um presidente não é brinquedo e essa matéria é séria.
No cenário atual é preciso que se compreenda o significado dessa ameaça à Presidente da República e para que mesmo os leigos em matéria jurídica possam entender e avaliar o significado de tal ameaça, inclusive recebendo esclarecimentos sobre a real possibilidade jurídica de sua utilização, é oportuna a divulgação de uma análise, ainda que sucinta, do enquadramento jurídico dessa questão, pois isso interessa a todo o povo brasileiro.
Forçar a Presidente da República a deixar o cargo antes do prazo de vencimento do mandato recebido do povo é ato de extrema gravidade, que, mesmo quando praticado com rigorosa obediência aos preceitos constitucionais e legais, acarreta grave perturbação na vida do Brasil. E se a deposição da Presidente ocorrer por um ato de força, mesmo que com aparente base jurídica, estará sendo dado um golpe de Estado, que poderá ser muito conveniente para um pequeno grupo de golpistas, mas será extremamente danoso para todo o povo, significando a implantação de uma ditadura, com suas inevitáveis mazelas.
(…) Em síntese, existem dois requisitos fundamentais que devem ser observados para dar consistência jurídica a um pedido de destituição do Presidente da República por ter praticado um crime de responsabilidade, como pontua o artigo 85 da Constituição: o primeiro ponto é que a base fática indispensável para tornar viável um pedido dessa natureza é que se apontem, como fundamento, atos do Presidente da República. Isso está expresso na Constituição e seria evidentemente inconstitucional um processo de impeachment que se fundamentasse em atos ou omissões ocorridos quando, anos atrás, Dilma Rousseff ocupava um cargo na direção da Petrobras. Outro ponto é que por disposição expressa da Lei 1079, que define os crimes de responsabilidade, outra hipótese de configuração da prática de crime de responsabilidade é o fato de não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, ou seja, dos subordinados da Presidência da República. Como é público e notório, a Presidente Dilma Rousseff, tão logo informada das acusações de corrupção na Petrobras, determinou que fossem adotadas providências rigorosas visando esclarecer os fatos e punir os eventuais culpados.
Nas circunstâncias do cenário atual, um processo do tipo geraria radicalismos ultrapassados. Incendiaria o País. Em nosso presidencialismo, dizer uma coisa na campanha eleitoral e fazer o oposto no poder não é motivo para se abrir um processo de impeachment e muito menos imperícia administrativa. A incompetência, muito menos. Quando muito, podem gerar controvérsias, impopularidade e afins. Já a negligência, quando comprovada, a conversa é outra. É importante registrar que o autor dessas linhas não é petista.
Sem mais delongas, é importante que se saiba que desde a posse da Presidente Dilma Rousseff para exercer o primeiro mandato presidencial até agora já foram protocolados na Câmara dos Deputados, que é por onde deve começar o processo, doze pedidos de impeachment. Em todos esses casos os pedidos foram examinados por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, como previsto em seu regimento, tendo sido proposto por ela e decidido pelo plenário o arquivamento de todos eles, por absoluta falta de fundamento legal. Se agora for apresentado um novo pedido, como tem sido ansiosamente sugerido por altos dirigentes do PSDB, e se esse pedido tiver a pretensão de se basear na fundamentação jurídica acima referida, certamente haverá mais um arquivamento, em obediência às disposições constitucionais e para preservação da ordem jurídica democrática no Brasil. Assim, pois, a ameaça de pedido de impeachment não deve ser levada a sério, não merecendo ser tratada como possibilidade real, mas sim como simples desabafo de maus perdedores tentando manter-se em evidência.

André Marques é advogado, consultor, escritor, membro da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da OAB/GO