GILMARA SANTOS SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O estudo realizado pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), e apresentado nesta terça (3), revela que apenas entre 5% e 10% das mercadorias de contrabando que entram no país são apreendidas. O contrabando traz perdas de até R$ 100 bilhões ao ano ao país. “Na cabeça do contrabandista, ele pode perder até 10% da carga com apreensões e já coloca esse risco no valor da mercadoria”, explica o economista e presidente do Idesf, Luciano Barros. “Se ele não tem a carga apreendida, a lucratividade aumenta”, complementa. A lucratividade é alta, conforme revela o levantamento. No caso do cigarro, por exemplo, o preço médio praticado no Paraguai é de R$ 0,70 e o mesmo é vendido em São Paulo por R$ 2,40, em média. Considerando que os custos relacionados à logística, pessoal, propina, armazenamento e distribuição cheguem a cerca de 23%, o lucro mínimo com o produto chega perto de 180%. RISCO O risco de ficar com a mercadoria parada ou mesmo ir preso e precisar contratar um advogado também entra nos cálculos dos contrabandistas. “Esse custo corresponde a 9% do valor da carga e se referem ao que podem ocorrer depois de passado o território de fronteira, área mais suscetível à apreensão”, explica Barros ao lembrar que caso a mercadoria chegue ao destino final, esse custo também vira rentabilidade. CORRUPÇÃO A corrupção é um dos principais fatores que contribuem para o alto índice de produtos contrabandeados no país, de acordo com o estudo. O pagamento de propina pode chegar a R$ 50 mil, afirma a pesquisa, que revela que a corrupção liberação de cargas ilegais ocorre em vários níveis operacionais e é dividida em quatro momentos. O primeiro momento ocorre próximo à barranca do Rio Paraná e às margens do Lago de Itaipu, em Foz do Iguaçu. Nesse ponto, há um risco estreito entre contrabandista e o ente público, e o valor estimado é de cerca de R$ 100 por dia e por agente público. O pagamento serve para que o agente fique indiferente à ilegalidade. O segundo momento é quando o ente público faz um acordo com o contrabandista para o acompanhamento da carga até o limite da sua jurisdição. Isso evita que a carga seja apreendida nos postos de fiscalização e, para isso, o contrabandista paga entre R$ 1.000 e R$ 1.500, afirma o estudo. Já o terceiro momento, diz o estudo, ocorre nos postos de fiscalização, caso o veículo utilizado para transportar a carga seja parado. Nesse caso, pode ocorrer ou não um acordo prévio, e o valor do repasse gira entre R$ 3.000 e R$ 10.000. Por fim, o quarto momento ocorre quando o ente público forja a apreensão, afirma o estudo, tendo como objetivo proporcionar ao contrabandista a oportunidade de negociação para a liberação da carga. O valor pago de propina para a liberação da mercadoria nesse momento varia entre R$ 15 mil e R$ 50 mil, podendo chegar a 50% do valor da carga, que normalmente é pago com a própria mercadoria. A Receita Federal e a Polícia Federal foram procuradas pela reportagem, mas não responderam até o momento. INDÚSTRIA A indústria brasileira, assim como empregos e cofres públicos, é duramente atingida pelo comércio ilegal de mercadorias. Ricardo Coelho, diretor do Departamento de Segurança da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), afirma que em outubro foi realizado um seminário com entidades ligadas a diversos setores da economia sobre ilegalidade para a indústria e foi constatado, na ocasião, as mercadorias do Paraguai representavam a 17ª maior indústria do país em valor líquido de vendas. “Cerca de R$ 782 bilhões são comercializados anualmente com produtos ilegais. Esse montante só é inferior ao PIB [Produto Interno Bruto] do México, Brasil e Argentina”, afirma Coelho. Nesse mesmo evento, diz o representante da Fiesp, foi apresentado o caso do Estado do Pernambuco, que adotou medidas normativas e tecnologia para retirar do mercado os garrafões de água clandestinos. A atitude levou ao aumento de 500% na arrecadação e algo parecido, de acordo com Coelho, no faturamento das empresas. A rastreabilidade das mercadorias é uma das medidas defendidas pela Fiesp, assim como a redução da carga tributária. “Com a rastreabilidade, o consumidor passa a ser parte da cadeia de monitoramento da mercadoria. No Japão, eles criaram uma comissão para tratar de rastreabilidade como uma forma de melhorar o desempenho econômico do País”, diz Coelho. Em relação à carga tributária, ele destaca que os impostos pagos pelos produtos nacionais são o grande obstáculo à competitividade da indústria brasileira. “O alto custo de produção favorece o mercado ilegal”, finaliza o representante da Fiesp. O ESTUDO O estudo do Idesf começou a ser realizado em agosto do ano passado com pesquisas em Ciudad Del Este, no Paraguai, em Foz do Iguaçu, no Paraná, e em São Paulo. O levantamento contempla entrevistas com contrabandistas, fiscais, policiais, comerciantes e trabalhadores. A fronteira de Foz do Iguaçu é a mais movimentada do País, com cerca de 30 mil carros passando diariamente pela Ponte Internacional da Amizade. Por sua vez, a região central de São Paulo concentra o maior polo de vendas de produtos contrabandeados e ilegais do Brasil.