YURI GONZAGA, ENVIADO ESPECIAL
BARCELONA, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Para que a internet possa continuar a ser um meio de expressão livre, é preciso que ela tenha um juiz –um que seja parcimonioso e nada intrusivo.
A declaração é de Tom Wheeler, presidente do conselho da FCC (órgão análogo à Anatel nos EUA) e um dos principais responsáveis pela regulamentação da neutralidade de rede naquele país, cuja determinação aconteceu na quinta passada (26).
“A questão básica é: se a internet é a plataforma mais poderosa e atual para se expressar no planeta –o que eu acho que de fato é–, pode existir sem que haja um juiz?”, disse nesta terça (3). Em inglês, usou a palavra “referee”, que pode ser traduzida como árbitro.
Wheeler chegou a sugerir que haverá exceções em nome do “interesse público”, ao ser confrontado com as iniciativas que, em países pobres, permitem o uso de serviços como Wikipédia e do governo de graça (o que fere a neutralidade, já que os sites em questão são privilegiados).
“Cada caso é um caso. É um juiz com uma régua, mas uma régua curta.”
Durante uma palestra no MWC (Mobile World Congress), mais importante evento mundial para as principais detratoras do conceito de neutralidade de rede, as operadoras de telecomunicação, em Barcelona, Wheeler foi pressionado pela entrevistadora e defendeu “sua” vitória, que pode ser tida como dele e de Barack Obama.
“Dizem que a votação foi apertada [foram três votos a dois no conselho da FCC], mas eu digo que tivemos 50% mais votos que eles”, brincou com a anfitriã Anne Bouverot, diretora-geral da GSMA, que organiza o evento. “Presidente Obama e eu somos defensores de longa data da internet aberta.”
Ele definiu os termos da determinação, ainda não publicados integralmente, como “pouco regulatórios” e “modernos” em resposta às críticas, segundo ele, “fatalistas”. “Pintam como se fosse um monopólio regulador, à moda antiga.”
Wheeler, que antes de assumir o cargo em novembro de 2013 na FCC (Federal Communications Comission) trabalhou no setor de telecomunicações, disse que o lucro das operadoras é de interesse do governo.
“Equilibramos o que quer o consumidor com o faturamento das empresas, já que estas precisam continuar investindo para que a estrutura chegue ao usuário.”
O antigo executivo está agora “vendendo” o modelo adotado pelos EUA para a governança da internet para outros países, como mostra uma reportagem desta terça do jornal “The New York Times”.
A decisão tem o poder de influenciar governos do mundo todo, o que é evidenciado também pela pressão das teles, mencionada por Wheeler ao periódico e clara na agressividade e sarcasmo de Bouverot durante a conversa.
LEILÕES
A diretora da GSMA, representante das teles principalmente na Europa, pressionou Wheeler para falar sobre dinheiro e o modelo dos EUA de leilão de frequências para difusão de dados.
Em perguntas longas e confusas, comparou o modelo chinês –que impõe condições às provedoras de serviço de celular, mas concede gratuitamente as frequências para que operem–, apresentado pela executiva como mais eficiente.
Wheeler não se delongou na resposta. “Eles têm o direito de fazer isso, mas não acho certo”, disse, afirmando que o objetivo dos leilões é chegar a um “preço justo” e que “incentive a concorrência”, e não “para ganhar dinheiro”.
No tema de internet por celular, o diretor da FCC afirmou que o 5G –próxima geração de conexão sem fio– é ainda “como um quadro de Picasso”. “Cada um vê uma coisa.”