O terceiro filho do rei-cidadão Louis Filipe de Orleáns, monarca que governou a França entre 1830 a 1848, tinha vinte anos e era tenente da marinha quando desembarcou no Rio de Janeiro em 1838. Era o ano em que o país vivia a maior das crises regenciais. Feijó se demitira em 1837 e fora substituído interinamente por Pedro de Araújo Lima, que não conseguiu dar conta das rebeliões que aconteciam no período: a Cabanagem no Pará, a Farroupilha no Rio Grande do Sul, a Revolta dos Malês na Bahia e a Sabinada, que iria eclodir em novembro, na mesma província.

A primeira viagem ao Brasil causou um impacto considerável no jovem francês, que ficou no país de janeiro de 1838 a 22 de fevereiro do mesmo ano. Relatou suas experiências e impressões no livro Diário de um Príncipe no Rio de Janeiro.

François trazia seus próprios costumes e traduzia o que via pela sua cultura, o que combinava com imaginação e rejeição. No caso é sempre o mesmo resultado: pouco conhecimento e muito julgamento. Referia-se a D. Pedro como o pequeno imperador, apostava que o Brasil não ficaria integrado e coeso por muito tempo.

Dizia que As províncias comerciais do Pará, de Pernambuco e da Bahia vão separar-se, a do Rio Grande do Sul já se libertou e Santa Catarina seguirá seu exemplo. Restará então um império composto do Rio, São Paulo, Goiás e Matocross (sic) e alguns lugares cujo nome esqueci.

Os franceses achavam que eles tinham muita civilização e pouca natureza e nós eramos a região da grande flora, mas da falta de civilização. A narrativa de viajantes setecentistas – Léris, Gandavo, Thevet – provocou um imaginário acerca dessa colônia perdida na América. A simbologia ganhou mais força quando Rousseau se baseou na leitura dos viajantes e no ensaio de Montaigne, chamado Os Canibais.

O modelo era uma imagem romântica que ficou colada ao nosso País, sempre associado à idéia do sublime e do maravilhoso, com uma natureza exótica e homens nus, de costumes bizarros, misturando raças e crenças.

A vinda de D. João ao Brasil em 1808 e a declaração de guerra à França, no mesmo ano da declaração de guerra à França, fez dos franceses inimigos, que passaram a sofrer um bloqueio transcontinental. A situação começou a mudar em meados de 1814, após o Congresso de Viena, quando o príncipe regente português anunciou relações amigáveis entre os países, o que permitiu o livre trânsito de franceses em Portugal e na rica colônia que era o Brasil. Começavam as relações franco-brasileiras, com trocas econômicas, culturais e comerciais.

E chegavam no Brasil de D.João , de Pedro I e Pedro II, os viajantes, naturalistas e curiosos franceses que tentavam redescobrir um país descoberto há muito tempo. A América espanhola já era conhecida na França pelo trabalho de Humboldt, mas o Brasil continua sendo um país exótico, com canibais, serpentes, natureza única, e também a única monarquia cercada de repúblicas.

O HORROR, O HORROR
Calor insuportável, ameaças de tempestades, nuvens de mosquitos por todos os lados e negros pavorosos de raça cafre ou moçambicanos horrosos no país onde não há nenhum traço de polícia.

François descreve o primeiro encontro com a família imperial com sarcasmo: Finalmente percebo uma figura miudinha, da altura da minha perna, empertigada, emproada: é sua Majestade!. Voltei como vim, escreveu o príncipe de Joinville, desfazendo do jovem rei, segundo ele louro e miúdo como a família austríaca mas com modos de um homem de 40 anos.

Logo me retirei cheio de piedade por essas pobres crianças abandonadas a quem dão apenas aquilo que é preciso para viver e que são perseguidas por uma nuvem de gente sem moral, que deixa o país que lhes foi confiado dividir-se e cair em uma rápida decadência.

O príncipe só gostava da vegetação local, quando viu matas cheias de pássaros, o Pão de Açucar, o Corcovado, atravessou rios de águas (ainda) limpas e montanhas cobertas de matas. Praticou caça, atividade preferida dos Órleans. Mas morria de saudades da França.

Considerava o império americano como um laboratório de raças de todas as cores. E afirmou: o País, por causa de sua situação, população e personalidade dos habitantes, estava destinado a ficar estacionado por muito tempo.

Finalmente concluiu: A viagem foi interessante, me fez conhecer bem o Brasil, mas me desencantei… François deixou nosso País levando na bagagem um gato tigrado, uma sarigueia com seus filhotes na bolsa, gazelas, macacos, papagaios, coelhos, um bicho preguiça fêmea com seu filhotes (O animal mais incrível que jamais vi, disse).

E nosso príncipe Joinville virou feriado, ganhou medalha com a imagem de um índio no centro, foi saudado com fogos de artifício. A gente era provinciana, mas sabia se divertir de quando em vez. E teve até um baile de despedida que só terminou depois das 4 horas da manhã. Partiu dizendo que aqui apenas a natureza prestava…

O tempo passou e o príncipe acabou tendo que mudar de idéia, em vários campos. Inclusive sobre Dona Francisca, irmã de Pedro II, que achou desengonçada e com dentes horríveis quando a conheceu na primeira viagem. Depois considerou Dona Chica uma beldade e teve que esperar muito para que seu pedido de casamento fosse aceito. Voltou mais duas vezes ao Brasil.

O seu destino também foi afetado pela Monarquia de Julho e pela destituição da dinastia de Luís Felipe de Orléans, que terminou seus dias com a revolução de 1848, que levou doa a família ao exílio na Inglaterra.

Os relatos de François testemunham a crise que o Império viveu durante as regências e faz contraste com os documentos de época, sempre tradicionais, enaltecedores, oficiais. Um hábito que perdura até hoje, que se percebe com as verdadeiras sopas de letrinhas que nada explicam, como se Cantinflas governasse certas mentalidades.

O Príncipe de Joinville, que ganhou as terras em Santa Catarina quando de seu casamento, nunca pretendeu ficar por aqui. Nem mesmo chegou a conhecer seus domínios. Seu destino, seu norte, era a França. Na despedida, escreveu: Velas ao vento, presentes a serem distrubuídos e um baile à francesa a me esperar, assim como a honra nacional e nossa bela família. Um cenário que desabou em menos de 10 anos. Porque castelos são cenários muito frágeis. Principalmente os baseados na areia.