No Brasil, Beja remete a Poços de Caldas, em Minas Gerais, e à mulher que destruiu corações no tempo da Colonia. Dona Beja morreu em 1873, aos 73 anos. Mas deixou histórias e lendas de como encantava aos homens no século 19. Virou personagem de novela, filme e ganhou fama internacional.

Anna Jacintha de São José começou carreira quando se tornou amante do ouvidor da corte, Joaquim Inácio Silveira da Matta, aos 13 anos. Nascida em Formiga, quase 200 km de Belo Horizonte, em 1800, acabou sendo a cortesã mais famosa de Araxá, onde chegou ainda criança, acompanhada da avó.

Escolhia seus homens e cobrava altas quantias aos fidalgos da corte, pelos seus favores e encantos. Ao ser raptada pelo ouvidor da corte de Dom João VI, foi viver em Paecatu, 350 km de Araxá, que na época pertencia ao Estados de Goiás. Em 1816 o ouvidor viu seu sonho de integrar a área de Goiás a Minas Gerais tornar-se realidade, criando a lenda de que a beleza de dona Beja é tão extraordinária que modificou o mapa do Brasil. Hoje a região é conhecida como Triângulo Mineiro.

Quando Dom João VI transferiu o ouvidor para o Rio de Janeiro, Beja voltou a Araxá e criou um bordel de luxo – Chácara Jatobá. Na sua vida teve dois grandes amores: Antônio Sampaio, namorado de infância, casado e pai de Tereza, filha de Beja. O segundo amor foi o advogado João de Mendonça, pai da filha mais nova, Joana. Até 1840 Beja viveu em Araxá, antes de mudar para o que hoje é Estrela do Sul, dedicando-se ao comércio da exploração de diamantes. Sua casa, de 1800, foi transformada em museu e é uma das principais atrações da cidade.

BEJA BRASILEIRA
Fica na Amazonia, no Pará, em Abaetetuba, a pequena cidade Beja, uma das nove espalhadas pelo mundo. Algumas tão pequenas que mal são vistas no mapa. Outras, com nomes aproximados, já que os antigos geógrafos árabes falam de Baga.A Bagat al-az’ait (Beja do azeite) já desapareceu. O nome também designa um grupo de tribos nômades, com mais de um milhão de membros. A pequena cidade nas vizinhanças de Belém do Pará, faz parte do grupo de terras com nomes de localidades portuguesas, como Bragança, Viseu ou Santarém.

Também não está no mapa a Beja do Irã, mas todos sabem que ela fica na província de Isfahan, onde há localidades com nomes semelhantes:Bayaz, Bafg e Bad. No Egito os dados indicam Beja integrada na província de El Fayun. Já o grupo de tribos nômades, conforme está na Enciclopédia Britânica, ocuparam zonas montanhosas entre o mar Vermelho e os rios Nilo e Atbarah. Nas alturas de Assuã e do planalto da Eritréia, os Beja se estendem desde o Sudeste do Egito, através do Sudão, até a Eritréia. As tribos descendentes de povos que viveram na região desde 4000 anos antes de Cristo, ultrapassam 1 milhão de pessoas.

A Beja russa – Abaza – fica na área meridional da Sibéria, ao sul de Abakan. Outra Beja asiárica fica na ilha de Sumatra (Indonésia), ao sul de Djambi. Não muito longe de Malaca. E há Bajan, na Malásia.

YOUSSEF, O PORTUGUÊS
No átrio do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, entre vários nomes, está o de Ali Al-Qalsadi. Nascido em 1422 na cidade andaluza de Baza, não longe de Granada, foi um célebre matemático, filólogo, jurisconsulto. Morreu na Beja da Tunísia, em 1486. A cidade era no período medieval um centro cultural de primeiro mundo. No século X, Beja era um pólo para onde convergiam estudantes de vários países, incluindo Portugal e Espanha.

Youssef Bourtuguise ( o português- 1682-1735) era descendente de uma família portuguesa que se instalou na Beja da Tunísia. Foi célebre jurisconsulto, poeta, professor e imã da corte real de Tunis, além de primeiro conselheiro jurídico, administrativo e político do Rei de Tunis, Hussein Ibn Ali ( 1705-1740). Ficou conhecido pela sua cultura e religiosidade, sendo autor de um livro de direito muçulmano em quatro volumes manuscritos.

BEJA TUNISIANA
O brasão da cidade de Beja na Tunísia é marcado pela kasbahbizantina que ainda domina a encosta por onde se estende a capital do Noroeste do país. Abaixo do desenho da fortaleza, uma chave mostra os louros do imperador, lembrando os tempos em que a cidade, distante uma centena de quilômetros da velha Cartago e da Tunis atual, esteve sob a lei de Roma. Duas espigas afirmam o papel da Beja do trigo – Bagat al-gamah – como celeiro da Tunísia e dos césares. Sobre o fundo verde, o voo de uma cegonha completa o brasão, evocando o mundo natural do Mediterrâneo. As vielas tortuosas da medina tunisiana, com suas casas pintadas de branco que brilham ao sol e o azul celeste das portas e janelas, remete ao labirinto branco das ruas que se escondem por trás das Portas de Moura, no Alentejo. Mas a origem do nome é diferente.

BEJA NO ALENTEJO
A emblemática é semelhante, no brasão da Beja de Portugal. A torre do castelo, erguida por D. Dinis, exalta o papel das antigas batalhas da capital da mais vasta região portuguesa. O fundo dourado fala de nobreza e de poder. As águias recordam a grandeza do império romano, que teve ali um de seus importantes domínios. Uma cabeça de touro lembra a riqueza natural de uma região com traços culturais próximas da Beja árabe. Europa e Magrebe não estão longe e entram em harmonia. A grafia dos nomes e a pronúncia são os mesmos, mas a origem é diferente.

A Beja d’Ifriquia, antigo nome de uma parte do Magrebe, evoluiu até designar toda a África, mas teve raiz remota na palavra Ouaga, de matriz berbere, que identificava um povoado púnico. Os vestígios arqueológicos mais antigos na região datam do século VI antes de Cristo. São restos de uma necrópole fenícia, encontrados a dois quilômetros da atual cidade. Ouaga se transformou em Vaga, a designação romana. E esta passou a Baga, até chega a Beja.

Colônia honorária sob o imperador Septímio Severo, a Beja romana – da qual existem muitos vestígios arqueológicos, como a estação de Henchir El- Faouar, com seus 24 hectares, foi arrasada pelos Vândalos, em 448. E reerguida no esplendor bizantino, recebendo então uma muralha de 23 torreões. Passou então a ser chamada Tehodorias. Beja converteu-se progressivamente no principal centro econômico e administrativo do Noroeste tunisiano. Beja, na encosta de uma montanha que se abre para o vale de Medjardah, atualmente é caminho estratégico, ligando Tunis a Argel, estrada que atravessa todo o Magrebe.

BEJA PORTUGUESA
A Beja do Ândalus, como foi chamada para se diferenciar da tunisiana, tem passado histórico anterior a Roma. De Pax Julia, como era chamada no período de Júlio César, passou a Pax Augusta. Na segunda metade do século VII, foi sede de um dos raros bispados visigóticos em terras lusitanas. De Pax, tornou-se Paca. Uma das cidades mais antigas da Península Ibérica, com numerosos sítios arqueológicos romanos, rurais e urbanos. A região é de terras férteis, o que explica o desenvolvimento da agricultura. A abundância de água também favorecia a indústria de curtumes, sempre importantes na economia antiga dos povos árabes.

Beja portuguesa, que já compartilhara com a Beja tunisiana a existência sob o mesmo senhor romano, ia de novo ter destino comum sob a bandeira do Islã. Cinco séculos durou o domínio árabe em terras portuguesas, sempre marcado por avanços e recuos militares na coexistência das culturas muçulmana e cristã, formando a civilização mediterrânea. A Paca visigótica deu origem à Baju e depois à Baja árabes. Em 1254, após a Reconquista, D. Afonso III colocou Beja na carta de alforria. Terra de grandes latifúndios, no maior distrito português, Beja conservou seu caráter rural até nossos dias.

BEJA TUNISIANA
O fascínio do souk de Beja é o mesmo de todas as medinas árabes. Ruela cheias de gente, mistura de cores e cheiros, gestos e palavras, crianças correndo entre as pessoas que passam, barulhos que saem das lojas. Envoltas nos seus sefsaris ( grandes xales que escon o rosto,que mordem no canto da boca, as mulheres escolhem tecidos e roupas na parte antiga da cidade. Beja é uma cidade provinciana, diferente dos hábitos de Tunis, mais aberta ao mundo ocidental. No café só se distinguem os capuzes pontiagudos dos bournous masculinos, feitos de pelo de camelo. São os homens que se reúnem nas tardes, bebendo chá quente ou fumando os cachimbos de água . Em termos de machismo, nada mudou durante todos esses séculos.

Em mundos distintos, Beja d’Ifriquia e Beja do Ândalus, no Alentejo, têm como destino final de seus anseios e olhares, a Europa. O Mediterrâneo, mesmo quando parece dividir, continua a ser o mesmo mar azul de múltiplas margens.