MANUEL DA COSTA PINTO, ENVIADO ESPECIAL*
LYON, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Menos de uma semana depois do Salão do Livro de Paris, que neste ano homenageou o Brasil, a cidade de Lyon abrigou outro grande evento literário na França, entre os dias 27 e 29 de março: a 11ª edição do Quais du Polar.
Como indica seu nome, o festival criado em 2005 gira em torno do romance policial (“polar”, no francês coloquial) e levou ao sudeste do país os best-sellers John Grisham e Michael Connelly, que fizeram concorrido debate sobre o sistema judiciário norte-americano no Théatre des Célestins, uma das tantas plataformas (“quais”) do evento de Lyon.
Essa, aliás, é a principal característica do festival. Se o Salão de Paris acontece num pavilhão semelhante ao das bienais do livro de São Paulo e Rio de Janeiro, o Quais du Polar ocupa palácios públicos, cinemas, teatros, igrejas e museus, com programações paralelas que acabam indo além da literatura policial.
O brasileiro Paulo Lins, por exemplo, participou de uma das mesas mais politizadas, ao lado do mexicano Paco Ignacio Taibo 2º e do cubano Leonardo Padura, autor de “O Homem que Amava os Cachorros”, “thriller” histórico sobre o assassinato do revolucionário russo Leon Trótski.
O trio latino eclipsou Connelly (que enfatizou o sentido político da luta dos advogados contra os bancos, nos EUA) e a canadense Emily St. John Mandel (cultora mais ortodoxa do “noir”) com os comentários histriônicos de Taibo sobre o “nonsense” da política mexicana e de Padura sobre o surgimento em Cuba, após o fim do bloco soviético, de diferenças de classe que geraram “asentamientos” semelhantes às favelas brasileiras, mas também uma literatura menos cordata em relação ao regime comunista.
E como a favela é o cenário de “Cidade de Deus”, Lins fez o discurso mais contundente, atribuindo a violência brasileira ao passado escravocrata, porém dando peso igual, hoje, ao tráfico de drogas e ao comércio de armas, que envolve tanto os pequenos criminosos quanto os estados delinquentes.
Outra mostra de como o Quais du Polar cria formatos inusitados em sua programação foram as seções de cinema apresentadas por escritores e as visitas ao Museu de Belas Artes, em que autores convidados comentavam quadros do acervo -caso do argelino Yasmina Khadra que, ao analisar a belíssima tela “A Leitura”, de Henri Fantin-Latour, provou que todo escritor se define antes como leitor do que por um gênero, policial ou não.

*O jornalista MANUEL DA COSTA PINTO viajou a convite do Quais du Polar e do Bureau du Livre da Embaixada da França.