O ano de 2015 traz preocupações maiores que nos anos anteriores. Mas, para refletirmos sobre os desafios que enfrentaremos, convém recordar as transformações profundas pelas quais passamos no decorrer dos anos. Nesses últimos 14 anos, período em que estudo o mercado emergente brasileiro, tenho acompanhado de perto as intensas mudanças pelas quais o país passou. O aumento do emprego formal e a alta do salário mínimo acima da inflação fizeram com que milhões de brasileiros saíssem da pobreza e ascendessem a uma nova classe média, ou classe C, como também ficou conhecida.
Com potencial de consumo mais alto do que o de países como Holanda e Suíça, a classe C movimentou R$ 1, 21 trilhão em 2014 e se tornou protagonista do mercado interno brasileiro. Se esse contingente fosse tratado como um país, estaria no G 20 do consumo mundial. Com a ascensão econômica dos últimos anos, muitos perceberam que a vida poderia ficar melhor e mais confortável com a aquisição de bens e serviços, até então considerados inalcançáveis. São exemplos claros desse ingresso em novas categorias de consumo ocorrido nos últimos anos as viagens a lazer – só no ano passado mais de 10 milhões de brasileiros viajaram de avião pela primeira vez. Vimos também o acesso à educação se tornar mais fácil. Temos hoje, em muitos lares, a figura do primeiro universitário da família. Um filho muito mais escolarizado que os seus pais e que enxerga no estudo a oportunidade para conquistar estabilidade financeira e garantir um futuro mais promissor.
No Brasil, a expansão econômica ocorreu por meio da redução de desigualdades históricas, ou seja, quem sempre ganhou menos teve um crescimento de renda maior. A renda da mulher cresceu mais do que a do homem, a do pobre mais que a do rico e a do negro mais que a do branco. As mulheres, especialmente, têm contribuição fundamental neste cenário de mudanças. O forte crescimento do emprego formal feminino colaborou de forma significativa para o aumento do consumo no País.
Em 2014, o Brasil alcançou a menor taxa de desemprego dos últimos 10 anos. O desemprego permaneceu em níveis historicamente baixos na última década. Mais salário e maior acesso ao crédito foram fundamentais para a democratização do consumo no País. Por meio de pesquisas realizadas pelo Data Popular, instituto de pesquisa do qual sou presidente, vimos que os brasileiros reconhecem que melhoraram de vida. Mas essa melhora de vida está atribuída, fundamentalmente, ao próprio esforço. E essa sensação de melhora de vida não acompanha a percepção de melhora do País. Otimistas em relação à melhora da própria vida no futuro, a percepção da maioria da população é de que o Brasil – como um todo –não está no rumo certo.
Economia e inflação, melhoria dos serviços públicos e controle da corrupção são temas centrais, tidos como prioridade para os brasileiros. Constatamos em nossas pesquisas atuais que as expectativas, tanto dos empresários quanto dos consumidores, deterioraram-se em comparação às do início do ano passado. Vemos um consumidor muito preocupado com o aumento dos preços, enfrentando mais dificuldade para pagar as contas e enxugando a lista de compras do supermercado.
Nesse cenário desafiador, a tendência é o consumidor começar o ano de maneira mais contida e ao decorrer dos meses ir ganhando mais fôlego. Não acredito em retração do consumo. A taxa de inadimplência, por exemplo, se mantém em patamares baixos. A nova classe média conquistou a ascensão econômica, experimentou e aprovou marcas de qualidade e não vai deixar de consumir em momentos de crise. O que vai, sim, é intensificar a procura por descontos e a busca pelo melhor custo-benefício.
Por outro lado, vejo também um brasileiro muito mais exigente e consciente dos seus direitos de consumidor. Um brasileiro que preza por serviços públicos e privados de melhor qualidade e está de olho na qualidade dos produtos que compra. Vamos viver um período de ajustes, tanto do governo quanto dos consumidores. Como todo ajuste – quando bem executado – também pode trazer benefícios para o futuro do país.

Renato Meirelles é presidente do instituto de pesquisa Data Popular