RUBENS VALENTE BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma flechada na sola do coturno de um policial militar durante confronto entre a PM e índios que protestavam em um anexo da Câmara em dezembro do ano passado rendeu a três indígenas uma acusação, feita pelo Ministério Público do Distrito Federal, de tentativa de homicídio. Se condenados, poderão cumprir penas que variam de dois a 14 anos de prisão em regime fechado. A imagem de uma flecha cravada do coturno do PM foi repetida nos telejornais de Brasília do dia 16 de dezembro. Os vídeos disponíveis, porém, não mostram a flecha sendo lançada nem quem a disparou. Segundo a PM, a flecha foi disparada na direção do pé do capitão da PM Edson Gondim Silvestre, 38, no momento em que a polícia impedia um grupo de índios de entrar no Anexo II da Câmara. Os indígenas protestavam contra a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 215, que inclui entre as competências exclusivas do Congresso “a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas”. Na versão do capitão Gondim à Polícia Civil, quatro índios o cercaram logo após um número maior, com cerca de 60 indígenas, ser contido pela PM ao tentar invadir o Anexo II. Gondim afirmou ter usado spray de pimenta contra os quatro, mas “outros três índios passaram a atirar flechas”. Parecia “uma chuva de flechas”, disse o PM, que saiu ileso do episódio. O próprio capitão se encarregou de deter três indígenas apontados por ele como autores da agressão. Os três – o professor indígena Itucuri Santos Santana, 25, da etnia pataxó de Porto Seguro (BA); Alessandro Miranda Marques, 29, terena de Nioaque (MS); e Cleriston Teles Sousa, 21, tupinambá de Itabuna (BA) – foram presos em flagrante pela Polícia Civil. No dia 17 de dezembro, o juiz do Tribunal do Júri do DF Fábio Francisco Esteves ordenou a soltura dos índios afirmando que os fatos se deram no contexto do “legítimo exercício do direito de manifestação, da liberdade de expressar, do direito de participação na esfera pública, de integrar o processo deliberativo político”. APURAÇÃO Em 2 de janeiro, duas semanas depois do protesto, a apuração foi encerrada. Para o delegado que cuidou do caso, Lúcio Fagner Chagas Valente, a ação dos índios “somente não causou a morte do agente público por circunstâncias alheias à vontade dos autores”. O delegado concluiu por tentativa de homicídio porque “a ação dos indiciados colocou a vida da vítima em risco elevado, considerando-se a letalidade da arma utilizada”. Em 27 de janeiro, o promotor de Justiça adjunto Bernardo Barbosa Matos denunciou os três indígenas por tentativa de homicídio qualificado. Segundo o promotor, os índios “tentaram matar” o capitão Gondim. “O crime não se consumou por motivos alheios à vontade do denunciado, pois a vítima não foi acertada por erro de pontaria e, na sequência, a vítima evadiu-se do lugar dos fatos”, escreveu o promotor. Das três testemunhas arroladas pelo promotor, dois são policiais militares. O terceiro, motorista da emissora de TV Canal Rural, disse que viu o capitão ser “cercado pelos índios”, mas “não chegou a ver se os índios portavam arco e flecha nesse momento”. O motorista também disse que “não seria capaz de identificar os índios”. O advogado Adelar Cupsinski, da assessoria do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) – que dá apoio jurídico aos índios -, disse que os três negam ter atacado o capitão, que eles “nem portavam flechas”, que não há provas contra os acusados e que as condutas de cada um não foram individualizadas pelo Ministério Público. “Houve a inabilidade da polícia, que na verdade foi quem começou o pequeno tumulto que houve. A PM de Brasília não tem o preparo para lidar com a questão indígena. Os índios inclusive narraram que o problema começou porque algumas mulheres índias estavam sendo agredidas pela PM”, disse o defensor.