Quarenta e dois anos após o assassinato da menina Araceli Cabrera Sanches, de oito anos, caso que inspirou a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (leia mais abaixo*), a repressão a esse tipo de situação tornou-se ainda mais complexa, em função do uso da internet e das redes sociais para a prática de tais crimes. Na opinião do delegado Demétrius Gonzaga de Oliveira, do Núcleo de Combate ao Cibercrimes de Curitiba (Nuciber), a família tem papel fundamental para evitar que essas ferramentas sejam usadas para facilitar episódios de exploração sexual infanto-juvenil. As barreiras físicas de proteção familiar caíram com as novas tecnologias de comunicação, que permitem ao criminoso atacar a criança e o adolescente dentro do próprio quarto, ressalta.

A promotora de Justiça Tarcila Santos Teixeira, da Promotoria de Infrações Penais contra Crianças, Adolescentes e Idosos, acompanha cerca de 50 inquéritos dessa natureza e também ressalta que, nesses casos, a vigilância da família pode fazer toda a diferença. Segundo Tarcila, é comum que os criminosos usem perfis falsos em redes sociais para se aproximar das vítimas e convencê-las a repassar fotos íntimas, posteriormente postadas em redes sociais e sites. Orientar os filhos sobre essa possibilidade é papel dos pais, que devem redobrar os cuidados principalmente quando os filhos começam a isolar-se demasiadamente para fazer uso das redes sociais, pontua.

Orientações – Para prevenir a ocorrência dessas situações, o delegado Demétrius recomenda que, antes de colocar nas mãos dos filhos tecnologias de comunicação, os pais tenham um diálogo franco e direto, falando dos riscos do uso desses equipamentos, especialmente quanto à participação em grupos nas redes sociais. Feito isso, devem manter sempre um controle efetivo sobre o uso da internet.

18-05Nesse sentido, deve-se evitar que crianças e adolescentes tenham acesso à internet em locais isolados. O ideal, aliás, é que os aparelhos com acesso à rede estejam em locais de uso compartilhado da casa, como a sala. Um erro comum, conforme o especialista, é manter o roteador da internet ligado durante a noite toda. Os pais que agem assim ignoram que muitas crianças e adolescentes esperam que eles durmam para acessar a rede.

Investigações – Os ataques criminosos contra menores de idade com uso da internet são feitos para abuso sexual, sequestro, morte e tráfico de órgãos e seres humanos. Há muitos casos no Brasil, a coisa é séria. Um psicopata consegue enganar facilmente uma criança ou adolescente, alerta o policial.

Dos casos em investigação no Nuciber, cerca de 200 envolvem crianças e adolescentes em crimes relacionados a práticas sexuais. Há ainda outros 70 procedimentos similares nos quais o Nuciber colabora com as investigações. A situação mais comum refere-se à produção e distribuição de imagens de adolescentes (na faixa de 12 a 17 anos de idade) com fins sexuais.

*Origem da data
Vitória, Espírito Santo, 18 de maio de 1973. Araceli Cabrera Crespo, então com oito anos, foi violentada e assassinada. Seu corpo foi encontrado seis dias depois. Os suspeitos do crime, levados a julgamento, foram absolvidos. O homicídio nunca foi punido.

Em 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso transformou o dia da morte de Araceli em Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a partir da aprovação da Lei Federal 9.970/2000. Araceli, cuja história está contada no livro Araceli, meu amor, do jornalista José Louzeiro, tornou-se assim símbolo da luta contra o abuso de crianças.

O que diz a lei
Os crimes contra crianças e adolescentes que podem ser cometidos com o auxílio das novas tecnologias de comunicação estão relacionados nos artigos 241-A a 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e foram incorporados ao Estatuto pela Lei 11.829/2008, resultante da chamada CPI da Pedofilia.

O artigo 241-A do ECA prevê pena de reclusão de três a seis anos e multa para quem oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Incorre nas mesmas penas quem armazena os registros ou assegura o acesso a eles. Quem adquirir, possuir ou armazenar tais registros é penalizado com reclusão de um a quatro anos e multa, segundo estabelece o artigo 241-B. Basta a posse de uma única foto ou vídeo para caracterização de tal crime.

O ECA penaliza ainda, com reclusão de um a três anos e multa, conforme o artigo 241-C, quem simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual, incorrendo nas mesmas penas quem divulga ou disponibiliza o material. Por fim, o artigo 241-D estabelece pena de reclusão de um a três anos e multa a quem aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso, recebendo ainda as mesmas penas aquele que facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso.

Por uma internet segura
18-05A SaferNet Brasil, organização não-governamental que trabalha desde 2005 na prevenção e combate aos crimes e violações de direitos humanos na internet, recebeu e processou, em 2014, 51.553 denúncias de pornografia infantil, envolvendo 22.789 páginas diferentes da internet, hospedadas em 54 países. Dessas páginas, graças às denúncias, 3.283 foram removidas da internet.

Os números são assustadores. Entretanto, como diz um slogan utilizado pela organização, a vida online não é outra vida, é mais um aspecto do cotidiano. É o que ressalta o diretor de Educação da SaferNet Brasil, Rodrigo Nejm: O problema não é a tecnologia. O importante é educar para que seja feito o uso consciente, independentemente da idade.

Para orientar os filhos sobre como devem se comportar na internet, os pais não precisam ser entendidos em computador, basta que eduquem como os pais sempre educaram, alertando para os riscos. Os pais sempre aconselham os filhos a não conversarem com estranhos, não aceitarem carona nem presentes de pessoas que não conhecem bem, não entrarem em casas de estranhos, irem para casa logo depois de uma festa… Na internet, as questões são novas, mas o sentido é o mesmo, afirma Nejm. Ele exemplifica com os presentes corriqueiros na rede de computadores que atraem crianças e adolescentes, como os créditos para jogos. Ou seja, o ambiente muda, mas as questões são as mesmas. A SaferNet produz material de apoio para crianças, adolescentes e pais, para facilitar o entendimento de que a internet é um espaço público de convivência em relação ao qual é necessário ter cuidados, tanto quanto acontece com qualquer outro espaço.

Histórico – No Brasil, o ambiente da internet começou a crescer no início dos anos 2000, sobretudo após a chegada do Orkut (já extinto), que contribuiu para a popularização das redes sociais. Com o grande número de pessoas conectadas, surgiram os casos de exploração sexual utilizando as novas tecnologias, em que criminosos sexuais passaram a aproveitar a internet para iniciar o processo de aliciamento e sedução, entrando em contato com as vítimas. Naquela época, era muito mais fácil manter-se anônimo nas redes sociais. Isso diminuiu o esforço dos criminosos, facilitando a aproximação e a criação de vínculos com as vítimas.

O estabelecimento de regras para os próprios mantenedores de redes sociais exigiu tempo e esforço. Após uma longa batalha judicial contra o Google, dono do Orkut, a Safernet produziu relatórios mostrando como o Google descumpria as normas de proteção estabelecidas pelo ECA. Em 2008, o Google assinou um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal (MPF), concordando em adotar medidas protetivas e de responsabilização dos usuários que cometessem delitos, com o encaminhamento de dados para investigações do MPF.

18-05Para dar apoio não só à prevenção de crimes, mas também às vítimas, a SaferNet mantém uma série de serviços que podem ser encontrados no seu site (www.safernet.org.br). Além de diversas publicações específicas para vários públicos, muito bem elaboradas, há um serviço on-line de assistência direta, através do qual a vítima pode obter ajuda e orientação para o seu caso particular. O atendimento pode ser feito por e-mail ou em tempo real, por chat, no endereço http://new.safernet.org.br/helpline.

Como denunciar
• Comunique o Conselho Tutelar – Uma das alternativas é acionar a Rede de Proteção, via Conselhos Tutelares. Os telefones e endereços podem ser encontrados na internet – clique aqui para acessar a lista.
• Avise a Polícia Militar – Caso a violência esteja ocorrendo no mesmo momento da denúncia (ou seja, quando há situação de flagrante), o cidadão pode entrar em contato com a PM (telefone 190).
• Procure uma delegacia de polícia – Também é possível fazer a denúncia na delegacia de polícia mais próxima ou nas delegacias especializadas no atendimento a crianças e adolescentes.
• Nucria – Em Curitiba, Foz do Iguaçu e Londrina, existem unidades do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria). Os telefones são: na capital, (41) 3270-3370; em Foz do Iguaçu, (45) 3524-8565; em Londrina, (43) 3325-6593.
• Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber) – Recebe denúncias de crimes cometidos através de meios eletrônicos ou telefonia móvel. Telefone (41) 3321-1900 (plantão 24 horas), e-mail [email protected], site http://www.nuciber.pr.gov.br/.
• Ministério Público – As situações também podem ser levadas diretamente ao Ministério Público, a partir das Promotorias de Justiça com especialização na área.
• Disque 100 – Outro caminho é ligar para o Disque 100 (ligação gratuita), serviço que funciona 24 horas por dia e registra a denúncia e encaminha as informações para os atores da Rede de Proteção da localidade onde o crime estiver acontecendo.

Saiba mais
Conheça o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (PNEVSCA).
Saiba mais sobre a campanha da Secretaria de Direitos Humanos – Proteja Brasil.
Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Abordagem lúdica sobre o tema do abuso sexual infanto-juvenil. http://www.tartanina.org.br/.
Guia de referência para jornalistas – orienta os profissionais de comunicação para uma cobertura qualificada e contextualizada do tema.
Comissão Estadual Interinstitucional de Enfrentamento às Violências contra Crianças e Adolescentes.